Alterações na água do Grande Rio não foram causadas por geosmina
Substância presente em líquido captado por bacia que abastece a cidade do Rio e alguns municípios vizinhos, no início do ano, possui estrutura similar à de composto produzido por algas, conclui pesquisa da UFRJ
Texto: Hugo Gonçalves, com informações do RJ2, da TV Globo Rio, disponíveis no portal G1
Fotos: Reprodução/TV Globo Rio
5 de junho de 2020, Dia Mundial do Meio Ambiente
Matéria atualizada em 10 de junho de 2020, à 0h18
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) comprovaram que o gosto e o cheiro ruins da água captada pela Bacia do Rio Guandu, que abastece boa parte da Região Metropolitana da capital fluminense, não foram provocados pela geosmina, um composto orgânico produzido por algas. Conforme verificou um laudo do estudo, a substância encontrada no precioso líquido – naturalmente incolor, inodoro e insípido –, no início deste ano, apresenta estrutura similar à da geosmina.
Conduzida pelo Laboratório de Microbiologia da UFRJ, que analisou durante três meses a qualidade da água proveniente da Estação de Captação e Tratamento do Guandu, na Baixada Fluminense, a pesquisa mencionada – cujo acesso foi obtido com exclusividade pela equipe de reportagem do telejornal RJ2, da Globo local, nesta quinta-feira (4), véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente – detectou uma acentuada presença de esgoto doméstico, além de indícios significativos de poluição industrial.
O laudo técnico tem como autor o professor Fabiano Thompson, que decompôs o material genético presente na água mediante o sequenciamento do DNA das amostras.
No documento, os pesquisadores afirmam que “a qualidade da água do manancial Guandu é variável”, contendo “alta abundância de bactérias de origem fecal (Arcobacter e Cloacibacterium) e bactérias degradadoras de compostos aromáticos (Novosphingobium e Tolumonas)”, que sugerem a contaminação por esgotos lançados por domicílios e fábricas.
“Com este novo estudo, foram encontrados, em várias amostras, números de até mil vezes superiores. Então, com isso, os resultados mostravam na época que a água captada estava dentro do padrão de classe 2. Com esses resultados, elas (as amostras) estão completamente fora, porque, como dissemos, é mil vezes maior”, comentou o engenheiro químico Gandhi Giordano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Além disso, estudiosos diagnosticaram a presença de “bactérias entéricas de diversos gêneros”, indicando que o líquido está contaminado com fezes humanas, e alertaram no laudo a respeito da constatação, tanto na água bruta quanto no manancial, de “microrganismos potencialmente patogênicos e tóxicos”, o que se faz premente e necessário o monitoramento dessas águas.
Em entrevista ao repórter Chico Regueira, da TV Globo Rio, o biólogo Mário Moscatelli explicou que o mau odor emana do gás sulfídrico (H2S), que se assemelha ao cheiro de ovo podre, “característico de despejo de esgoto em algum corpo d’água”.
Composto parecido é verdadeiro causador
De acordo com a análise, os organismos responsáveis pela contaminação da água, a princípio identificados como geosmina, na realidade, consistem em outra substância orgânica que possui estrutura razoavelmente parecida, porém não se trata da geosmina. O composto em questão, detectado por estudiosos, é denominado 2-metil-isoborneol (2-MIB).
O líquido analisado, fornecido pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), abastece mais de 70% da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e provém da Bacia do Guandu, composta por 123 rios. As populações de oito municípios do Grande Rio, que, somadas, correspondem a cerca de 9 milhões de pessoas, dependem da captação hídrica através dessa bacia.
Em nota, a Cedae informou que tanto a geosmina quanto o 2-metil-isoborneol são compostos orgânicos produzidos pela cianobactéria Planktotrix. Ambas as substâncias causam alterações no sabor e no odor da água, mas nenhuma delas não é nociva à saúde.
Como elas são produzidas simultaneamente e em concentrações variáveis, a empresa está analisando os dois compostos e colocando os resultados dos somatórios de ambos, como constam em seus laudos.
A companhia também pontuou que nenhuma alteração foi encontrada desde fevereiro. Ainda segundo o comunicado, a Cedae adotou medidas para amenizar o problema no abastecimento hídrico, entre elas a adição de carvão ativado, uma rigorosa rotina de monitoramento e a aplicação de recursos da ordem de R$ 700 milhões, destinados às obras de modernização da Estação do Guandu, até 2022.
Estado passou por crise hídrica em 2020
Nos primeiros meses deste ano, o estado do Rio presenciou uma das piores crises hídricas de sua história. Durante semanas seguidas, milhares de consumidores receberam uma água com cheiro e gosto ruins, que nem a estação de tratamento, a maior do mundo, foi capaz de erradicar. À época, especulava-se que essas alterações nas características do líquido eram atribuídas à geosmina.
Ainda em janeiro, o governo fluminense anunciou a execução das obras de desvio dos leitos dos afluentes do Rio Guandu, com o objetivo de diminuir o volume de esgoto que entra na estação de tratamento. Com orçamento estimado em R$ 92 milhões, a intervenção foi classificada pelo governador Wilson Witzel (PSC) como “fundamental”.
Segundo reportagem exibida na edição desta quinta-feira do RJ2, os afluentes do Guandu na área de captação são os rios Ipiranga – o principal –, Cabuçu, Poços e Queimados.
Um edital de licitação para a obra chegou a ser publicado no Diário Oficial do Estado no mês de fevereiro. Entretanto, a Cedae decidiu revogar o processo em 24 de maio, através de comunicação ao Ministério Público. “O valor dessa obra para sanear essa bacia é R$ 1,4 bilhão. Você vai dizer: muito dinheiro”, enfatizou Mário Moscatelli.
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