Uma visão em prosa da quarentena

Texto e ilustração: Hugo Gonçalves
Atualização: 4 de maio de 2020, às 23h07


Entre cidades quase vazias, estabelecimentos e serviços praticamente inativos – com exceção daqueles considerados vitais para todos nós –, um sistema de saúde pública beirando o colapso, com repetitivas aglomerações em hospitais e postos em busca de internamento, filas por vezes astronômicas para que as famílias mais necessitadas consigam o auxílio emergencial e outros benefícios assistenciais, nós, mesmo na qualidade de humanos, estamos enjaulados. Sim, permanecemos isolados, confinados, em cada lar como esse, de onde escrevo esta crônica.

Cada um de nós, assim como eu, você e tantos outros cidadãos, se encontra em estado de isolamento social, cumprindo o período da quarentena, por força de uma circunstância que, apesar do seu ineditismo, possui caráter majoritariamente preventivo. A evidência para este momento está na pandemia global do coronavírus, que infelizmente continua liquidando sem precedentes incontáveis vidas após possíveis tentativas de resistência aos efeitos malignos produzidos pela até então misteriosa enfermidade.

No meu caso específico, por exemplo, aproveito estes dias de quarentena me reinventando pessoal e profissionalmente. Reinventar-se pode ser traduzido como recomeçar, reativar ou ressuscitar qualquer coisa do zero em momentos de crise, como o que estamos testemunhando, a fim de transformar cada ano, mês, dia e hora em algo oportuno para cada porção da humanidade. Portanto, nestas temporalidades dúbias nas quais eu e todo mundo estamos encarando, reinventar é a chave para nos prosperarmos, dependendo, a priori, da boa vontade do nosso Ser Supremo.

Observamos as perspectivas dos nossos mundos exteriores, pelo menos, da janela, da varanda ou do terraço, de forma presencial – ou, talvez, por uma exígua tela de computador ou celular. Ao tonificar minha estrutura corporal, bem como queimar as calorias, mediante caminhadas na laje azul da minha casa, minha percepção é de que o olhar físico ao meu redor se encontra reduzido a uma paisagem urbana semideserta que lhe é adjacente, com trânsito ínfimo de veículos e de humanos e empresas com atividades suspensas, vislumbrando uma pacata cidadezinha interiorana.

Além de me exercitar fisicamente, também aproveito a quarentena para libertar de imediato meu gênio criativo, praticando aquilo que me proporciona flexibilidade mental em sinergia com o exercício do meu irrenunciável sacerdócio profissional. Quando algum assunto interessante logo penetrar nos meus neurônios, dirijo-me ao notebook, aqui no canto do meu quarto tranquilo, e elaboro conteúdos inéditos em formatos jornalísticos, geralmente textos como este, para turbinar meu ciberespaço, dominado pelo blog que idealizei, mantenho e atualizo há pouco mais de uma década.

O design gráfico, ao servir de ofício complementar ao jornalismo, é sem dúvida minha outra habilidade recorrente nestes tempos, já que se trata de uma área que cuida da programação (ou do planejamento) visual de todo e qualquer suporte midiático escrito, independentemente de ser classificado como impresso ou digital. Nessa acepção, eu diagramo, com toda a organização textual e iconográfica possível, quase todo o conteúdo publicado em questão de segundos na minha principal página eletrônica, como estratégia de alimentar minha máquina de novidades informativas/objetivas e opinativas/subjetivas.

De fato, a criatividade vem se convertendo em um elemento imprescindível no dia a dia de cada um de nós que está em quarentena, tornando-a um período dinâmico, fértil e prazeroso. Cenas como essa, no entanto, são apenas temporárias, pois, com absoluta confiança em Deus, esta situação de pandemia em breve irá cessar. Espero que toda a humanidade esteja imediatamente livre da crise gerada pelo monumental contágio, e que nossa vida regresse como ela era antes da adoção da quarentena – ativa, movimentada e sem restrições de circulação e funcionamento.

Comentários

Daniel Luz disse…
Nesses tempos de isolamento social a arte tem sido um grande alento. Além de ser um novo aprendizado a cada dia.