Agricultura de sequeiro sofre déficit hídrico de 37%, aponta estudo

Elaborado em parceria entre IBGE e ANA, levantamento inédito analisa consumo de água na modalidade de plantio que dispensa irrigação, no período compreendido entre os anos de 2013 e 2017

Com informações da Agência IBGE de Notícias
Matéria atualizada em 27 de maio de 2020, às 18h02

Dependente das chuvas e da água do solo, agricultura de sequeiro ocupa quase toda área agrícola do Brasil
Acervo/ANA

Método de plantio que depende totalmente da ação das chuvas e da água armazenada no solo, dispensando qualquer tipo de irrigação, a agricultura de sequeiro ocupa 98% da área plantada do País. Entretanto, conforme revela um estudo inédito, ela enfrenta um déficit hídrico anual equivalente a 37%, representando o quanto faltou de água, tido como fator crucial para o pleno desenvolvimento das culturas no campo.

O levantamento Uso da Água na Agricultura de Sequeiro no Brasil (2013-2017), resultado de uma parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Agência Nacional de Águas (ANA) – também integra a segunda edição das Contas Econômicas Ambientais da Água, lançada pelas duas instituições no início deste mês , contém informações estratégicas para o planejamento do consumo do recurso e o aperfeiçoamento de políticas agrícolas.

As conclusões do presente estudo, em cuja elaboração teve o apoio da Agência Internacional de Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ), serão úteis para o cumprimento dos Planos Nacionais de Recursos Hídricos e de Irrigação, bem como de outras diretrizes governamentais e iniciativas de interesse da sociedade.

Durante os cinco anos investigados, as culturas em regime de sequeiro estiveram sujeitas a um déficit hídrico médio de 37%, dos quais 30% foram verificados em períodos mais críticos de desenvolvimento do plantio e 7% no período próximo à colheita.

Segundo o coordenador de Estudos Setoriais da ANA, Thiago Fontenelle, a produção agrícola brasileira, nas áreas em que já ocorrem, poderia aumentar expressivamente caso houvesse redução do colapso de água.

“Obviamente, essa redução depende da magnitude e da frequência das chuvas nas áreas agrícolas, mas também as técnicas de manejo do solo e da água que facilitem a infiltração da água no solo. Elas são importantes para que a água da chuva se infiltre e mantenha no solo por mais tempo”, comentou à Agência IBGE de Notícias.

Mesmo resistente ao déficit hídrico, cana-de-açúcar sofreu com o clima mais desfavorável que a média histórica
Divulgação/Cana Online

Milho e cana foram mais afetados

O levantamento observou que as culturas mais impactadas pelo déficit de água foram o milho e a cana-de-açúcar. Enquanto a primeira cultura é geralmente plantada em regiões e períodos de maior risco climático, a cana sofreu com o clima mais desfavorável que a média histórica, embora haja mais resistência à falta do recurso.

Ainda de acordo com o estudo conjunto do IBGE e da ANA, a agricultura de sequeiro consome 8,1 mil m3 – ou seja, 8,1 milhões de litros – de água por segundo na média dos anos analisados.

Ao agregá-la com a modalidade irrigada, o consumo de água aumenta para 10 milhões de litros por segundo. Destes, 92,5% provêm do ciclo hidrológico local (“água verde”), ou seja, das chuvas e do solo, ao passo que os 7,5% restantes são derivados de aporte adicional via irrigação (“água azul”), captada em mananciais superficiais e subterrâneos.

Já as variações no uso da água manifestadas entre 2013 e 2017 foram sutis, ocorrendo impactos regionais tanto das variações pluviais quanto da expansão ou retração da área plantada de algumas culturas.

Avanço significativo

De acordo com a Agência IBGE de Notícias, o detalhamento dos dados constantes no levantamento inédito implica um avanço significativo na avaliação do uso da água no Brasil. Esse fator permite compreender melhor o potencial de expansão da irrigação, responsável por 66% do consumo hídrico no País, conforme aponta o painel de indicadores para 2020 do Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil.

“Assim, o estudo pode subsidiar políticas públicas e a implementação dos instrumentos de gestão da água e da agricultura no Brasil, indicando áreas onde é sustentável a intensificação da agricultura de sequeiro junto com a irrigação”, informou o órgão, por meio de release.

Para o gerente de Agricultura do IBGE, Carlos Alfredo Barreto Guedes, os dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), que estima mensalmente os percentuais das áreas cultivadas, foram fundamentais para a obtenção dos indicadores. “A partir de perguntas de controle do LSPA, vislumbramos a possibilidade de criar este estudo”, salientou.

Outra publicação que serviu de base para a elaboração da análise foi o Atlas Irrigação: uso da água na agricultura irrigada, o mais completo mapa da agricultura irrigada brasileira, produzido pela ANA. Como poucos países são capazes de mensurar o consumo hídrico na agricultura de sequeiro, o Brasil, graças ao levantamento, “se coloca na vanguarda mundial na produção desse indicador”, na acepção de Fontenelle.

O coordenador da ANA pontuou três aspectos de suma importância para o estudo: os insumos fornecidos às Contas Econômicas Ambientais da Água; o cálculo do déficit de água para cada município ou região, o que auxilia no mapeamento das áreas mais suscetíveis aos riscos climáticos e aos períodos mais secos do calendário agrícola, servindo de norte para a adoção de políticas públicas; e o estreitamento da parceria entre o IBGE e a agência reguladora, a fim de implementar novos projetos.

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