Resenha do artigo “Social network sites as networked publics”, de Danah Boyd

Hugo Gonçalves

Texto originalmente redigido em abril de 2020, como requisito parcial para obtenção de nota da disciplina Gestão Estratégica em Mídias Sociais, na Especialização em Mídias Sociais do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge)

Orientadora: Profa. Esp. Paula da Paz Gomes (Paulinha Paz)

Escrito em 2010 pela acadêmica estadunidense Danah Boyd, o artigo científico, intitulado Social network sites as networked publics, que tem como subtítulo Affordances, dynamics, and implications (livremente traduzido como Redes sociais como públicos em rede: características, dinâmicas e implicações) tece uma breve abordagem acerca da utilização das redes sociais por diferentes estratos de públicos, introduzindo a definição de públicos em rede, bem como de suas diversas propriedades, atributos e dinâmicas comuns.

No início do artigo, a autora observou que a popularização dessas plataformas de interação online, tanto para fins pessoais como profissionais, fez com que elas obtivessem um crescimento espetacular entre os jovens e adultos, que são as faixas de público que as utilizam com frequência.

A noção de públicos em rede, na qual as redes sociais estão inseridas como gênero, surgiu a partir da observação das práticas resultantes do uso desses espaços virtuais, e consiste, ao mesmo tempo, em um espaço e um conjunto de públicos, reestruturados por tecnologias em rede. “Como tal, são simultaneamente: (1) o espaço construído através de tecnologias em rede e (2) o coletivo imaginado que surge como resultado da interseção das pessoas, da tecnologia e da prática” (BOYD, 2010, p. 1).

Como o termo “público”, conforme apontou Danah Boyd (2010), é controverso e possui “múltiplos significados que são usados por diferentes áreas para sinalizar diferentes conceitos” (p. 2), a autora trouxe para o artigo diversos aspectos discursivos atribuídos a alguns estudiosos com relação a esse termo, a fim de se construir uma melhor compreensão acerca dos públicos em rede.

No que tange ao aspecto arquitetônico das redes sociais, elas, por estarem enquadradas como ambientes digitais, se constituem por bits, ao contrário das estruturas de natureza física, que são formadas por átomos. Portanto, são principalmente os bits – suas propriedades, conexões e interações com as redes – que fazem moldar as características dos públicos em rede, bem como regular a sua estrutura.

Embora as redes sociais proporcionem uma diversidade de canais de comunicação públicos e privados mediante atributos e funcionalidades que variam entre elas, Boyd (2010) delimitou apenas quatro características essenciais no seu desenvolvimento. São elas: os perfis, as listas de contatos, denominadas Amigos (em inglês, Friends), as ferramentas públicas de comentários e as atualizações baseadas em fluxos, fazendo com que os bits estejam integrados à arquitetura dos públicos em rede.

No entanto, a autora detalhou somente três atributos, a começar pelos perfis, que nas redes sociais são personificadas na figura de um indivíduo, objetivando sua autorrepresentação em um ambiente digital, e servem de lócus de interação. Além disso, os perfis são espaços onde as pessoas se reúnem para conversar, bem como compartilhar imagens e comentários (BOYD, 2010, p. 4).

A segunda característica detalhada no artigo, que são as listas chamadas Amigos, trata-se de um mecanismo exigido pela maioria das redes sociais, para que as conexões de um determinado indivíduo sejam mutuamente confirmadas antes de serem exibidas, e visível apenas para quem tem permissão de exibir um perfil desse indivíduo que mantém tal lista. É um exemplo de articulação pública nas redes sociais, pois os participantes têm a liberdade de incluir seus Amigos, bem como excluí-los da lista, dependendo de um certo contexto social no qual estão inseridos.

Já as ferramentas para comunicação pública, com ênfase para os comentários, auxiliam nas interações entre os participantes, sejam públicas ou semipúblicas. As redes sociais fornecem várias dessas ferramentas, cujos comentários também são visíveis para os indivíduos que garantem acesso a um determinado perfil pessoal, e cujos participantes têm a possibilidade de se interagir com várias pessoas e grupos.

Em seguida, o artigo enumera os seguintes atributos estruturais dos públicos em rede, que surgem a partir das propriedades dos bits e têm por propósito “amplificar, registrar e disseminar informações e atos sociais” (BOYD, 2010, p. 7): a permanência, a reprodutibilidade, a mensurabilidade e a buscabilidade. Esses quatro diferentes elementos, embora estejam interdependentes, foram analisados pela autora de maneira isolada, à luz de uma discussão mais ampla de mídia e fundamentando-se na estrutura dos públicos em rede.

Sobre a primeira característica, a permanência, a autora argumentou que, antes do advento da internet, diversos recursos tecnológicos, como a escrita e a fotografia, têm possibilitado o registro de inúmeros momentos, tornando-os permanentes, ao contrário das conversas orais, que possuem caráter efêmero. No entanto, a rede mundial de computadores captura e registra os bytes, que são criados através de bits permanentes e, portanto, os textos e recursos multimídias, inclusive conversas digitadas nas redes sociais, podem permanecer no ciberespaço.

No tocante à reprodutibilidade, o avanço da tecnologia propiciou o surgimento de várias ferramentas que auxiliam as pessoas a reproduzirem conteúdo, ou seja, copiarem textos, imagens, vídeos, entre outras categorias midiáticas. Porém, nos ambientes digitais, a capacidade de reprodução e modificação desses conteúdos se tornou cada vez maior pelo fato de os bits se reproduzirem mais facilmente que os átomos, ao mesmo tempo em que são compartilhados na internet.

O terceiro atributo dos públicos em rede, a mensurabilidade, se refere, de acordo com Danah Boyd (2010), à possibilidade de uma visibilidade espetacular desses públicos, e não à sua garantia. É o caso da própria internet, que permite a inúmeros indivíduos a transmissão de conteúdo e a formação de públicos, porém não garante audiência. Por último, a buscabilidade, propiciada pela ascensão dos mecanismos de busca, a cujo acesso se tornou prática constante entre os internautas, consiste na capacidade de as pessoas encontrarem outras nas redes sociais para se interagirem.

Após analisar cada característica, o artigo investiga minuciosamente três dinâmicas primordiais na formação dos públicos em rede, que, por sua vez, se ramificam a partir dos quatro atributos anteriormente mencionados. Conforme a autora, as audiências invisíveis, os contextos em conflito e a confusão entre público e privado moldam o ambiente social dos indivíduos, ao estarem envolvidos nos públicos em rede.

A figura das audiências invisíveis, primeira dinâmica investigada, já existe há décadas, quando certos profissionais, como jornalistas e atores, imaginam uma audiência qualquer e se apresentam para aquela audiência imaginada. As pessoas, ao se apresentarem para audiências imaginadas ou parciais, lidam com a natureza invisível da sua audiência, tornando-se, inclusive, praxe na vida dos públicos em rede (BOYD, 2010, p. 10).

Na dinâmica subsequente, há indivíduos que refletem contextos sociais díspares, gerando conflitos entre eles na mídia, fazendo com que, para alguns autores, o ato de lidar com essas pessoas seja explicitamente desafiador. Dentro dessa perspectiva, a autora trouxe um exemplo emblemático, no qual Stokely Carmichael (1941-1998), uma das lideranças do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos na década de 1960, discursou para diferentes públicos distintos usando diferentes estilos retóricos. Porém, ao passar a discursar para grandes audiências através da TV e do rádio, Carmichael optou por se dirigir à população negra, fato que alienou a sociedade branca.

No caso dos públicos em rede, eles obrigam as pessoas a lidarem com ambientes nos quais diferentes contextos entram regularmente em conflito, complicando as relações entre esses públicos em razão dos seus quatro atributos – permanência, reprodutibilidade, mensurabilidade e buscabilidade.

Última dinâmica analisada, a confusão entre público e privado inibe a delimitação entre esses dois aspectos distintos da vida social, o que altera drasticamente as interações entre grupos com maiores contingentes de indivíduos, mas também prejudica as dinâmicas entre grupos de amigos e colegas. No tocante a essa indefinição e ausência de controle de limites, entre os exemplos mencionados no artigo, com base nas observações de vários autores, está a questão da privacidade. O mesmo ocorre nos públicos em rede, o que torna difícil definir e controlar os limites entre público e privado.

Tanto as características dos públicos em rede quanto as suas dinâmicas, que, por sua vez, surgem desses atributos, estão transformando radicalmente a vida cotidiana para amplas faixas de público. Enquanto as características retrabalham os públicos de forma geral, as dinâmicas são fatores específicos. Ao contrário das mídias anteriores, as mudanças ocasionadas pelas tecnologias em rede obtiveram uma difusão amplificada, proporcionando, por exemplo, um incremento maior na possibilidade de as pessoas se conectarem através de grandes distâncias.

Danah Boyd (2010) afirma que a atenção, nos públicos em rede, se converteu em “mercadoria” (p. 13), pois determinados atores sociais, como políticos e especialistas, tentam ser objetos de manipulação da opinião pública nesses ambientes digitais, visando a obter amplas audiências, ao passo que outras personalidades se tornam alvos de curiosidade propagada pela mídia, a exemplo das celebridades. Enfim, as pessoas, na condição de consumidores e produtores de conteúdo nas redes sociais, se sentem incorporadas na “economia de atenção” (p. 13).

Outra questão levantada pela autora do artigo é de que a autenticidade do conteúdo está sendo ameaçada por sua permanência e reprodutibilidade, inclusive no ciberespaço, em virtude da capacidade recorrente de os indivíduos modificarem e “remixarem” códigos, textos, imagens e vídeos. Essas alterações de conteúdo nos públicos em rede, conforme Boyd (2010), podem ser classificadas como funcionais, estéticas, políticas e até enganosas, disseminando diversos questionamentos inerentes ao tema.

Nas considerações finais, a autora salienta que os atributos dos públicos em rede estão moldando amplamente os hábitos de diversos públicos físicos. Portanto, devido à popularização das redes sociais e de outros gêneros de mídias sociais, as distinções entre públicos em rede e públicos reais praticamente deixarão de existir, e as dinâmicas não se confinarão mais aos ambientes digitais, passando a estarem integradas nas nossas vidas cotidianas.

Referência

BOYD, Danah. Social network sites as networked publics: affordances, dynamics, and implications. In: Networked self: identity, community, and culture on social network sites (org. de Zizi Papacharissi). 2010, p. 39-58.

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