Atributos estruturais dos públicos em rede
Tradução e adaptação: Hugo Gonçalves, a
partir do tópico Structural affordances of networked publics, extraído do artigo acadêmico Social network sites as networked
publics: affordances, dynamics, and implications, de autoria
da pesquisadora estadunidense Danah Boyd e publicado originalmente em 2010.
Introdução
As tecnologias em rede introduzem novos
atributos para amplificar, registrar e disseminar informações e atos sociais.
Essas características podem dar forma aos públicos e ao modo de as pessoas os
negociarem. Embora esses atributos não determinem a prática social, eles podem
desestabilizar hipóteses centrais que as pessoas fazem enquanto protagonistas sociais.
Como tal, podem remodelar os públicos
diretamente e através das práticas desenvolvidas pelas pessoas para levar em
consideração os recursos. Quando deixadas desmarcadas, as tecnologias em rede
podem desempenhar um poderoso papel no controle de informações e na
configuração de interações. Essa é uma falha que solicita resistência às
novas tecnologias, bem como sua demonização. Muitas das preocupações decorrem
de como as características da tecnologia causam inflexão às práticas
entendidas.
O conteúdo dos públicos em rede é formado a
partir de bits. Autoexpressões e interações entre as pessoas produzem
conteúdo baseado em bits nos públicos em rede. Devido às suas
propriedades, os bits são fáceis de armazenar, distribuir e pesquisar do
que os átomos. Quatro características que surgem a partir das propriedades dos bits
exercem um papel significativo na configuração dos públicos em rede:
- Permanência: expressões online são registradas e arquivadas automaticamente;
- Reprodutibilidade: o conteúdo produzido a partir de bits pode ser reproduzido;
- Mensurabilidade: a visibilidade potencial de conteúdos por públicos em rede é grande;
- Buscabilidade: o conteúdo constante nos públicos em rede pode ser acessado através de mecanismos de busca.
Levando em conta a estrutura dos
públicos em rede, Danah Boyd (2010) mapeou esses diferentes elementos,
situando-os em uma discussão mais ampla de mídia, e sugeriu como eles moldam os
públicos em rede e a participação das pessoas. Embora esses atributos estejam
entrelaçados e interdependentes, a pesquisadora analisou cada elemento de
maneira distinta, considerando que isso contribui para a estrutura dos públicos
em rede.
1. Permanência: o que se diz continua
Embora conversas faladas sejam efêmeras,
inúmeras tecnologias e técnicas foram desenvolvidas para capturar momentos e
torná-los permanentes. O advento da escrita fez com que as pessoas criassem
registros de eventos, e a fotografia proporcionou um recurso para capturar um
momento transitório.
No entanto, conforme argumentou Walter Ong
(2002), o advento da alfabetização fez mais do que forneceu um registro; transformou o
modo de as pessoas pensarem e se comunicarem. Além disso, como disse Walter
Benjamin (1969), o que é capturado pela fotografia possui uma essência
diferente do momento experienciado. Tanto a escrita quanto a fotografia são
permanentes, porém elas também transformam as maneiras de se capturar.
As tecnologias de internet seguem um longo
trajeto de outras inovações nessa área. O que é capturado e registrado são os bytes,
que são criados e intercambiados pela rede. Muitos sistemas produzem bits
permanentes por padrão e, assim, o texto que alguém produz se torna permanente.
No entanto, será que as pessoas interpretam o conteúdo da mesma forma como
fizeram quando foi produzido pela primeira vez?
Isso é bastante improvável. O texto e os
recursos multimídias podem ser permanentes, mas o que continua pode perder sua
essência quando consumido fora do contexto no qual foi o conteúdo foi criado. A permanência de
conversas feitas por públicos em rede é ideal para conversas assíncronas, mas
também gera novas preocupações quando elas podem ser consumidas fora do seu
contexto original.
Embora dispositivos de gravação possibilitem
às pessoas registrar atos específicos em públicos, o padrão, tipicamente, é que
os atos não midiatizados são efêmeros. A tecnologia em rede inverteu esses
paradigmas, tornando os registros uma prática comum. Isso ocorre parcialmente
devido à arquitetura da internet, na qual sua disseminação requer cópias e
gravações para transmissão e processamento.
De fato, embora registros originais e
reproduzidos possam teoricamente ser excluídos (ou, tecnicamente, sobrescritos)
em qualquer etapa do processo, a dinâmica “permanente por padrão, efêmera
quando necessária” é relativamente propagada, interpretando o rastreamento e eliminando
o conteúdo, uma vez que ela contribuiu para a ascensão dos públicos em rede
fúteis.
2. Reprodutibilidade: o que é original e o
que é reproduzido?
A mídia impressa transformou a escrita porque permitiu a fácil reprodução de notícias e informações, aumentando a
circulação potencial de tal conteúdo (EISENSTEIN, 1980). A tecnologia
introduziu uma série de ferramentas que ajudam as pessoas a reproduzir textos,
imagens, vídeos e outras mídias. Como os bits podem ser mais facilmente
reproduzidos do que os átomos, e são replicados ao mesmo tempo em que são
compartilhados através da rede, o conteúdo produzido por públicos em rede é
facilmente reproduzível. As cópias são inerentes a esses sistemas.
Em um mundo feito de bits, não há
nenhuma forma que possa diferenciar o bit original do reproduzido. E,
pelo fato de que os bits possam ser facilmente modificados, o conteúdo
pode ser transformado em maneiras que o tornam difícil de dizer, que são a sua
origem e a sua alteração. A natureza replicável do conteúdo por públicos em
rede significa que o que é reproduzido pode ser alterado em maneiras que as
pessoas não percebem facilmente.
3. Mensurabilidade: o que se propaga não pode
ser o ideal
A tecnologia permite uma distribuição mais
ampla, aprimorando quem pode acessar o evento em tempo real ou ampliando o
acesso às reproduções do momento. Veículos de transmissão, como a televisão e o
rádio, a tornam possível para eventos a serem simultaneamente experienciados por
grandes distâncias, medindo radicalmente a visibilidade potencial de um
determinado ato e remodelando a esfera pública (STARR, 2005).
Embora esses pontos permitam que o conteúdo
seja mensurado, pontos de distribuição são frequentemente regulados [embora não
tenha impedido os “piratas” de criarem seus próprios públicos de transmissão
(WALKER, 2004)]. A internet introduziu novas possibilidades para distribuição;
só é permitido blogar pelo avanço do jornalismo de base (GILLMOR, 2004) e ter
um canal para que qualquer pessoa expressasse suas opiniões (RETTBERG, 2008).
A internet pode permitir que muitas pessoas
transmitam conteúdo e criem públicos, mas não garante audiência. O que é medido
nos públicos em rede não pode ser o que todo mundo deseja medir. Além disso,
enquanto um grupo de nicho pode obter uma visibilidade que se assemelha a uma
“microcelebridade” (SENFT, 2008), apenas uma pequena parte recebe atenção da
massa, ao passo que muitos recebem uma atenção muito pequena e localizada. A
mensurabilidade nos públicos em rede se refere à possibilidade (grifo original da autora) de uma
visibilidade espetacular, e não à sua garantia.
A frustração de Jürgen Habermas com a mídia
está fundamentada nas maneiras que ela estava, na concepção do teórico alemão,
dimensionando os tipos errados de conteúdo (HABERMAS, 1991). O mesmo argumento
pode ser tecido com relação à mídia em rede, como o que é medido nos públicos
em rede consiste geralmente no engraçado, no bruto, no embaraçoso, no vil e no
bizarro, “variando do peculiar e excêntrico ao humor banal, ao estranhamente
engraçado e às paródias, através do asperamente irônico” (KNOBEL; LANKSHEAR,
2007).
Aqueles que chamam uma maior atenção do
público, como políticos e aspirantes a celebridades, podem ser capazes de
compartilhar seus pensamentos para os públicos em rede, mas não podem alcançar
o nível que eles desejam. A propriedade da mensurabilidade não necessariamente
mede o que os indivíduos querem ser medidos ou acham que devem ser medidos, mas
o que o coletivo decide ampliar.
4. Buscabilidade: procure que você irá
encontrar
Há tempos, bibliotecários e outros
especialistas em ciência da informação desenvolveram técnicas para tornar o acesso à
informação mais fácil e eficaz. Esquemas de metadados e outras estratégias para
a organização de conteúdo têm sido fundamentais para esses esforços. No
entanto, o surgimento dos mecanismos de busca mudou radicalmente as formas
pelas quais as informações podem ser acessadas. A busca se tornou uma atividade
rotineira entre os usuários de internet.
Como as pessoas utilizam tecnologias que
deixam rastros, a busca assume um novo papel. Embora o fato de alguém ser capaz
de estar num parque e dizer “procure” para localizar uma pessoa ou objeto possa
parecer um elemento de ficção científica, essas ações são cada vez mais viáveis
nos públicos em rede. A busca torna possível o modo de encontrar pessoas nos
públicos em rede e, uma vez que os dispositivos com sistema de posicionamento
global (GPS) habilitado são implantados, veremos que essas práticas fazem parte
de outros aspectos da vida cotidiana.
Referências
BENJAMIN, Walter. The work of art in the age of mechanical reproduction. In: __ (org.). Illuminations. Tradução para o inglês de
H. Zohn. Nova York: Schocken Books, 1969, p. 217-252.
BOYD, Danah. Social
network sites as networked publics: affordances, dynamics, and
implications. In: Networked self: identity, community, and
culture on social network sites (org. de Zizi Papacharissi). 2010,
p. 39-58.
EISENSTEIN, E. L. The printing press as an agent of change. Cambridge (Reino Unido): Cambridge University Press,
1980.
GILLMOR, D. We the media: grassroots journalism by
the people, for the people. Sebastopol (Califórnia, EUA):
O’Reilly Media, 2004.
HABERMAS, Jürgen. The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category
of bourgeois society. Cambridge (Massachusetts,
EUA): MIT Press, 1991.
KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Online
memes, affinities, and cultural production. In: __ (orgs.). A new literacies sampler. Nova York: Peter Lang, 2007, p. 199-228.
ONG, Walter J. Orality and literacy. Londres: Routledge, 2002.
RETTBERG, J. W. Blogging. Cambridge (Reino Unido): Polity Press, 2008.
SENFT, T. M. Camgirls: celebrity and community
in the age of social networks. Nova York: Peter Lang,
2008.
STARR, P. The creation of the media: political origins
of modern communication. Nova York: Basic Books,
2005.
WALKER, J. Rebels on the air: an alternative
history of radio in America. Nova York: NYU Press, 2004.
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