Mata Atlântica pode ter sua cobertura atual reduzida

Nova proposta do governo promete alterar legislação que assegura preservação de um dos mais ricos – porém ameaçados – biomas brasileiros, pondo em risco sua sobrevivência

Texto: Hugo Gonçalves
22 de maio de 2020, Dia Mundial da Biodiversidade
Matéria atualizada em 25 de maio de 2020, às 18h48

Com informações do programa Repórter Eco, da TV Cultura, do portal Direto da Ciência e da página oficial da Fundação SOS Mata Atlântica

Fotos: Reprodução/YouTube/Repórter Eco/TV Cultura, a partir de imagens cedidas pela Fundação SOS Mata Atlântica à emissora

Reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição, bioma está entre os que mais sofrem ameaças no planeta

Um dos biomas mais biodiversos do Brasil, a Mata Atlântica está na mira de uma recente proposta do Ministério do Meio Ambiente, que pretende flexibilizar a legislação responsável por garantir sua preservação. Entre as áreas visadas pelo projeto, que, caso seja sancionado pelo governo, poderá pôr em risco a sobrevivência da floresta tropical úmida, estão a transição com o Cerrado e trechos de vegetação costeira.

No último dia 13, a Fundação SOS Mata Atlântica divulgou uma edição atualizada do seu manifesto Continuam Tirando o Verde da Nossa Terra. O documento apela para a sociedade sobre aquilo que vem sendo o maior ataque contra o bioma, que abrange cerca de 15% do nosso território. Embora reconhecida como patrimônio nacional pela Constituição Federal de 1988, a mata está entre as regiões botânicas mais ameaçadas pela intervenção humana no planeta.

De acordo com o manifesto, publicado na página da organização não-governamental (ONG) com sede em São Paulo, a sequência de medidas que visam ao desmonte da política ambiental nacional, levadas a cabo pelo atual governo, “pode colocar a Mata Atlântica numa situação de risco da qual ela nunca mais poderá sair, afetando a vida e a saúde dos brasileiros”.

“Não refletir e não se engajar também contribuem para reduzir o espaço da sociedade na defesa da nossa mata. Temos que evitar esses retrocessos e lutar pela vida, pela nossa floresta, nossos rios, animais e por um meio ambiente saudável para todos”, conclui o documento, que ainda conta com a petição pela integridade da Lei da Mata Atlântica. A reivindicação, direcionada aos chefes dos três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, está disponível no portal Avaaz.

O bioma, que hoje se encontra completamente fragmentado – seu território foi reduzido a apenas 12,4% –, nem de longe lembra a floresta original, quando os primeiros colonizadores aportaram aqui, há 520 anos. Seus remanescentes estão localizados em 17 estados, do Nordeste ao Sul, e contribuem para garantir o fornecimento de água, a fertilidade do solo e o equilíbrio do clima para grande parte da população brasileira – 72% dela habita na região coberta pela mata.


Fragmentos de Mata Atlântica, que somam pouco mais de 12%, situam-se em 17 estados e ajudam a garantir fornecimento de água, fertilidade do solo e equilíbrio climático

Flexibilização agrava ameaça

Graças a um instrumento jurídico alicerçado na pesquisa científica, fruto de um persistente diálogo construído durante 14 anos entre a sociedade civil e o Congresso Nacional, a Mata Atlântica, cristalizada por sua abundante biodiversidade, continua incólume. Encarregada de assegurar a conservação do bioma exclusivo do Brasil, a Lei nº 11.428, sancionada em 22 de dezembro de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estará, no entanto, passível de flexibilização.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, encaminhou uma minuta ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pretendendo modificar alguns dispositivos do Decreto nº 6.660, de 2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica. A proposta, obtida com exclusividade pelo portal Direto da Ciência, tem como objetivo excluir do mencionado decreto alguns tipos de formações vegetais, restringindo a proteção legal apenas para aquelas classificadas como tipicamente florestais.

Ainda conforme a mesma matéria do portal, publicada em 24 de abril, as formações vegetais preservadas do bioma, que Salles ambiciona suprimir do regulamento, são “áreas de estepe, savana e savana-estépica, vegetação nativa das ilhas costeiras e oceânicas e áreas de transição entre essas formações, além de outras (campos salinos, áreas aluviais, refúgios vegetacionais)”.

Além disso, a minuta apresentada pelo ministro prevê ainda a dispensa de anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), destinada a desmatamentos de áreas maiores do que o limite atual, para autorização exercida somente pelo órgão ambiental local.

Conforme determina o projeto, o limite de 50 hectares por empreendimento será ampliado para 150 hectares. Em áreas urbanas e regiões metropolitanas, no entanto, o limite atual de 3 (três) hectares passará a ser expandido para 30 hectares.

“Se for aprovado esse decreto, nós vamos ter uma redução muito drástica. Se da área original nós só temos 12%, e já chegamos a perder um campo de futebol nessa floresta a cada quatro minutos, a Lei da Mata Atlântica evitou isso. Se houver essa canetada do decreto, nós vamos perder 10% do bioma de uma única vez”, afirmou o diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, à reportagem do programa Repórter Eco, da TV Cultura, de São Paulo.

Segundo ambientalista, decreto poderá causar insegurança jurídica e facilitar especulação imobiliária

“Impacto será devastador”

Especialistas do governo federal consultados pelo Direto da Ciência, e mantidos sob anonimato, estimam que, se Bolsonaro assinar o novo decreto, a floresta tropical poderá ter sua área subtraída em cerca de 110 mil quilômetros quadrados.

“O impacto na vegetação vai ser devastador, principalmente naquelas áreas de transição da vegetação, nas áreas de tensão ecológica, nas áreas em que nós temos o contato do Cerrado com a Mata Atlântica, nos encraves (indícios de outro bioma inseridos em um bioma) de Mata Atlântica, nos limites, nos vales, nas ilhas oceânicas, na vegetação litorânea, na vegetação associada ao bioma”, destacou Mantovani.

Na avaliação do ambientalista, a assinatura do decreto que flexibilizará a Lei da Mata Atlântica poderá ocasionar insegurança jurídica e facilitar a especulação imobiliária nas cidades, além de fomentar o agronegócio, que para ele não respeita o meio ambiente nem a sustentabilidade. “Não adianta um decreto como esse, que é completamente inconstitucional, e a gente vai denunciar aqueles que promoverem essa degradação”, alertou.

Autor, em 1992, do projeto convertido na lei que mantém o bioma intacto, o advogado e  também ambientalista Fábio Feldmann, que à época da proposição era deputado federal pelo PSDB paulista, compartilha a mesma visão de mundo, defendida por Mantovani. “Se essas alterações forem aprovadas, vão gerar insegurança jurídica para empreendedores que venham a se aproveitar delas”, argumentou Feldmann ao Direto da Ciência.

A Mata em números

- Ocupa cerca de 15% do território nacional;
- Está presente em 17 estados;
- Sua área se resume a apenas 12,4% da floresta original;
- Ajuda a manter a vida de 72% dos brasileiros.

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