Desfiles em silêncio

Hugo Gonçalves

Jornalista (SRTE/BA 4507)

25 de setembro de 2020

Artigo atualizado em 28 de setembro de 2020, às 2h34


Reflexo da pandemia: Sambódromo vazio, sem aglomerações que fizeram do Carnaval carioca uma oportunidade encantadora
JR - 2012


De modo idêntico ao manifestado em outras urbes, a exemplo daqui de Salvador, a cidade do Rio de Janeiro já decidiu que seu tradicional desfile das escolas de samba está suspenso – ou prorrogado – em decorrência da pandemia do novo coronavírus, que vem alterando a organização do Carnaval e de vários eventos Brasil e mundo afora. É uma indústria que potencializa o turismo não somente da nossa segunda maior metrópole, como também do conjunto do País, atraindo anualmente milhões de visitantes.

Toda a parafernália que vinha turbinando de magia e emoções a Marquês de Sapucaí, infelizmente, vai silenciar em fevereiro do próximo ano, pois até agora não se descobriu nenhum remédio ou vacina para exorcizar a mais grave crise sanitária à qual a humanidade já assistiu em sua história recente. Isso criará um vácuo inédito, jamais observado na história da folia carioca, deixando seus frequentadores órfãos dos sambas-enredo, das baterias, dos carros alegóricos, dos estandartes, das fantasias, dos mestres-salas e porta-bandeiras, das baianas e de tantos outros elementos constituintes desse multicolorido espetáculo.

Já que foi gestado aqui mesmo na Bahia, o samba aportou no Rio no segundo quartel do século XIX, por iniciativa das Tias Ciata, Mônica e Perciliana, entre outras – a maioria emigradas do Recôncavo –, levando para a então capital brasileira o samba de roda, hoje considerado patrimônio imaterial. Porém, por força da mídia mainstream, a prevalência das escolas de samba da Cidade Maravilhosa (em alguns aspectos) em nosso cenário carnavalesco insiste em nos induzir à falácia de que o mais brasileiro dos gêneros musicais teria surgido em terras cariocas.

Voltemos à realidade atual. Como a pandemia modificou completamente os esquemas dos eventos, preponderantemente os de dimensões majestosas e que envolvem aglomerações, as festividades populares – nas quais o Carnaval está circunscrito – ainda não têm previsão de retorno, como estratégia de conter a propagação de um contágio maligno que há pouco mais de seis meses estamos compelidos a uma severa (e preventiva) quarentena.

Sambódromo, quadras e barracões vazios, ruas e avenidas idem. A famosa passarela do samba, palco glorioso dos desfiles, vem testemunhando seu isolamento e distanciamento dos foliões, assim como as vias públicas do centro do Rio, sejam largas ou estreitas, de asfalto ou paralelepípedos. Portanto, é o efeito Covid impactando negativamente em um segmento crucial para a manutenção e expansão do turismo e das artes na nossa Pátria, cujos filhos estão solitários frente ao alegre contato com o fascínio, a beleza e a apoteose que caracterizam aquele momento tão lúdico e democrático.

Tido como um dos símbolos e signos identitários da brasilidade, o Carnaval – independentemente de localidade, configuração ou estilo musical dominante, entre outros atributos – movimenta a nossa economia devido ao seu caráter sazonal. Entretanto, o novo coronavírus nos invadiu de surpresa e produziu uma crise generalizada que paralisou praticamente todos os setores, incluindo o de entretenimento, cultura e turismo. Como provável consequência devastadora, poderá vir a perda de milhares de postos de emprego destinados a essa ocasião.

Aí vem um turbilhão de perguntas: E agora, povo? Como nossas folias, entre elas os épicos desfiles cariocas, serão organizadas em um planeta contagiado por um vírus que, de tão microscópico, se tornou capaz de se replicar graças à sua velocidade sem precedentes, e cuja prevenção ainda não se baseia em medicamentos nem mecanismos de imunização? Imprevisível.

Mas, na condição de brasileiros, ainda temos a chance de reinventar as manifestações carnavalescas, adequando-as ao atual contexto: transmitidas por plataformas digitais para serem acompanhadas a distância, transformando as multidões, por enquanto, em uma mera audiência virtual. Basta somente aguardar por mais alguns anos para que as escolas regressem a desfilar na Sapucaí como era em temporalidades pretéritas, esbanjando encanto e simpatia na apoteótica passarela do samba. 

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