Insegurança alimentar atinge mais da metade dos brasileiros na pandemia

Em meio a cenário crítico, também quase dobrou número de pessoas que convivem com a fome no País no ano passado, segundo pesquisa recém-divulgada

Com informações da matéria exibida no Jornal da Cultura (TV Cultura) e da página Olhe para a Fome, da Rede Penssan

Matéria atualizada em 10 de abril de 2021, às 19h44


116,8 milhões (55,2%) estavam sob insegurança alimentar no Brasil em 2020, mais do que o dobro da população argentina
Luiz Carlos Gomes/Oxfam Brasil/Reprodução


A pandemia do novo coronavírus fez com que, pela primeira vez desde 2004, a insegurança alimentar – quando alguém não tem acesso pleno e permanente aos alimentos – atingisse mais da metade da população brasileira. Além disso, segundo uma pesquisa inédita, a quantidade de pessoas que estão passando fome no País quase duplicou em um cenário desolador. Um reflexo da conjugação das crises econômica, política e sanitária.

Conduzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan) constatou que 116,8 milhões – o equivalente a 55,2% da nossa população e também a mais de duas vezes o total dos habitantes da vizinha Argentina –, estavam nessa situação em 2020. Esse contingente, portanto, convivia com alguma restrição no acesso aos alimentos, classificada em três níveis – leve, moderado ou grave.

Ainda de acordo com o levantamento, 43,4 milhões de pessoas (20,5%) não possuíam alimentos em quantidade suficiente no ano passado, configurando-se como insegurança alimentar moderada ou grave. Já 19,1 milhões de brasileiros, o que corresponde a 9% e à população da Região Metropolitana de São Paulo, estavam passando fome – ou seja, se encontravam em condição de insegurança alimentar grave.

Esse alarmante índice é o maior já registrado desde 2004, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), estimou o percentual de indivíduos nessa situação em 9,5%. A taxa equivale, ainda, ao dobro do que a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) – realizada pelo mesmo órgão – verificou em 2018, quando 10,3 milhões de pessoas (5,8%) estavam convivendo com a falta diária de alimentos no País.


Em Paraisópolis, distribuição de marmitas recuou de 10 mil, no primeiro ano da pandemia, para cerca de 500 a 700
Reprodução/YouTube/Jornalismo TV Cultura

Cresce demanda por comida

Na comunidade de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, a incerteza dos moradores quanto à presença de alimento suficiente na mesa faz aumentar a fila na busca por comida. A organização não-governamental (ONG) G10 Favelas distribuiu 10 mil marmitas por dia na região no primeiro ano da pandemia, além de receber doações de aproximadamente 8 mil pessoas. Entretanto, nos últimos meses, a ação foi praticamente interrompida, distribuindo diariamente cerca de 500 a 700 marmitas.

“Tem dia que a fila continua e a comida acaba. O retrato da fome hoje no Brasil, quando você olha para a nossa fila, são mulheres com crianças que, por vezes, só conseguem pegar uma marmita e têm que dividi-la para três pessoas. Então, nós precisamos mudar essa realidade, criar aquele movimento novamente de solidariedade e ajudar a quem mais precisa”, afirmou o presidente do G10 Favelas, Gilson Rodrigues, em entrevista ao Jornal da Cultura, da TV Cultura.

Conforme aponta um levantamento divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), através da FGV Social, o número de brasileiros que vivem na pobreza quase triplicou em seis meses. Entre agosto do ano passado e fevereiro deste ano, o contingente subiu drasticamente de 9,5 milhões para 27,3 milhões.

A longa e desafiadora procura por alimentos durante este período pandêmico vem se replicando por todo o Brasil. Na capital paulista, por exemplo, a ONG Ação contra a Fome distribui cestas básicas para as mulheres que atuam como chefes de família. A crise sanitária fez a demanda aumentar em 40%, porém as doações não acompanharam o mesmo ritmo.

“O que nós identificamos é que, a cada mês, a gente mais gasta do que arrecada em cerca de 20 a 30%. Então, pela nossa conta, infelizmente nós vamos ou parar de ajudar ou diminuir nossa ajuda, ou passar a contar com um aporte de outras fontes, de outras origens”, alertou o administrador da Ação contra a Fome, Caio Labate, à TV Cultura.


P. S.: Para obter mais detalhes acerca do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan), bem como conferir os dados da pesquisa na íntegra e baixá-la, acesse aqui.

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