Falta de coordenação nacional atrapalha vacinação contra Covid
Três meses após seu início, campanha convive com desorganização em todo o País, causada pelo persistente drama das filas e aglomerações
Com informações da matéria e das entrevistas
exibidas no Jornal da
Cultura (TV Cultura)
Matéria atualizada às 23h35
A ausência de uma coordenação nacional consistente e unificada de campanhas públicas de vacinação contra a Covid-19, iniciadas há exatos três meses, tem provocado filas que resultam em uma desorganização generalizada. Em função disso, uma parcela da população não consegue acompanhar as orientações adotadas individualmente por prefeituras ou governos estaduais.
O drama é frequente de norte a sul do Brasil. Diariamente, pessoas aguardam durante horas em seus carros no drive-thru, se aglomeram nas filas e estão em dúvidas quanto ao momento certo de serem vacinadas. Recentemente, houve casos de crianças e adultos que receberam de forma equivocada o imunizante, nas cidades de Diadema e Itirapina, no estado de São Paulo.
As diferenças nos grupos prioritários – que podem incluir, por exemplo, professores e agentes de segurança – se verificam de um estado, ou município, para outro. Além dessas categorias, também serão vacinados pacientes com doenças cardíacas, diabetes ou outras comorbidades. Essas divergências, enfim, acabam estressando ou confundindo boa parte dos brasileiros.
“As nossas campanhas sempre foram nacionais, encabeçadas pelo PNI, o Programa Nacional de Imunizações, que dá todas as diretrizes de como os municípios devem organizar as campanhas, quais são as cidades contempladas, quem deve receber (as doses). E isso, dessa vez, ficou muito confuso”, esclareceu a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, em depoimento à TV Cultura.
1,5 milhão não tomaram segunda dose
Passados três meses do início da campanha nacional de vacinação contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2), em 18 de janeiro, a persistência da sua desorganização é alvo de críticas da população, de autoridades e de especialistas. De acordo com o Ministério da Saúde, 1,5 milhão de pessoas não retornaram aos postos para receber a segunda dose no prazo estipulado pelos laboratórios que produzem as duas vacinas atualmente aplicadas no País – o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Cabe ao serviço de saúde procurar as pessoas que não voltaram, telefonar, mandar e-mail e ir atrás dessas pessoas para que elas retornem para a segunda dose”, disse Natália. “A sociedade precisa entender essa dinâmica para que ela, inclusive, respeite essa recomendação”, alertou a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI entre 2011 e 2019.
A microbiologista explicou que, quando há uma campanha em nível nacional, é necessário que ela seja divulgada no rádio, na TV, nos jornais e nos demais veículos de comunicação. Portanto, as pessoas conseguem saber exatamente como proceder à estratégia.
“O ideal, agora, é que cada cidadão procure a
Secretaria de Saúde do seu município, para se informar corretamente no meu
município, quando que eu devo ir ao posto de saúde. Uso de máscaras,
distanciamento físico e social, evitar aglomerações, tudo isso precisa ser mais
enfatizado com a população, porque só vacinar não vai dar conta de diminuir a
circulação do vírus”, aconselhou Natália.
Falta de doses dificulta processo
O biólogo e divulgador científico Átila Iamarino comentou por videoconferência, ao Jornal da Cultura, que o maior fator responsável por complicar o andamento da imunização no Brasil, de longe, se trata da falta das doses das vacinas. “Na falta de doses, precisamos de muitos critérios para escolher quem é vacinado, tem gente furando fila, e por aí vai, e isso já atrasa muito a vacinação”, declarou à jornalista e apresentadora Ana Paula Couto.
Em consequência disso, segundo Átila, o que também retarda o procedimento é o fato de conseguir planejar quando as pessoas irão receber a segunda dose e quem irá fazê-lo. “Então, isso já é uma dificuldade enorme. E, em cima disso, essa mistura de Plano Nacional de Imunização com grupos prioritários que cidades ou estados escolhem e essa descoordenação, com certeza, atrapalham e atrasam muito”, enfatizou.
Diversos fatores decorrem não somente da ausência tanto de doses quanto de coordenação, como também da falta de uma campanha clara para incentivar as pessoas a receberem uma segunda dose. “Todo mundo entendeu que a vacina é fundamental porque ela salva vidas, mas as pessoas não estão sendo informadas de que elas precisam de duas doses dessa vacina”, assegurou o biólogo.
Sobre a não inclusão das populações pobre e negra em alguns grupos prioritários da vacinação contra a Covid-19, o advogado e professor José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares (SP), salientou – também em entrevista ao JC – que a questão das desigualdades social e racial no País se acentua na medida em que a pandemia era apenas um dado adicional.
“Nós já estamos vindo, nos últimos dez anos, um problema de caoticidade social terrível, seja o desemprego, seja a falta de acesso à saúde e aos serviços básicos”, reforçou, acrescentando que, quando a crise sanitária vem atingindo em potencial os indivíduos pobres e negros, eleva-se ainda mais o nível de dano e destrutividade.
Plano tem que ser estruturado
Na avaliação de José Vicente, um plano de imunização deveria contemplar e considerar todas as dimensões para que seja estruturado, formalizado e organizado. “Para qualquer tipo de campanha e convocação social, a comunicação é tudo. Se nós não temos a comunicação – essa é a pouca que temos – é uma comunicação contraditória e que desinforma, aí fica muito mais difícil”, disse o professor universitário.
Já Átila Iamarino argumentou que é factível e necessário usar critérios socioeconômicos para a vacinação no País, tomando por exemplo o parâmetro hoje vigente, o escalonamento por idade. “Vamos vacinar os mais velhos porque são os mais vulneráveis, os que têm maiores chances de complicação e mortes, e pegam Covid. Fantástico, e isso é fundamental”, sugeriu.
O biólogo observou ainda que, como os negros estão entre as maiores vítimas do contágio pelo coronavírus no Brasil em termos de proporção, a expectativa de vida desse contingente populacional é menor em função de inúmeros fatores sociais e históricos aqui presentes, inclusive as desigualdades. Levando em conta apenas o critério da idade, excluem-se os grupos que apresentam maior vulnerabilidade à doença, nos quais a própria população negra está enquadrada.
Além disso, profissionais considerados essenciais
– que todos os dias se deslocam e se aglomeram no transporte e, portanto, estão
mais expostos ao risco de contaminação –, também precisam estar incluídos entre
os grupos prioritários para a vacinação. “Isso tem que ser levado em conta,
sim. Fizemos isso para profissionais, educadores em São Paulo, policiais,
grupos de risco. Por que não fazer também para categorias e grupos sociais como
negros?”, questionou Átila.
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