Impactos socioeconômicos da Covid-19 são debatidos em audiência na Alba
Encontro virtual promovido por comissão especial da Assembleia baiana discutiu os reflexos da pandemia na rede pública de saúde e nas famílias
Com informações da assessoria de
comunicação da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba)
Matéria atualizada às 20h14
Uma audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) debateu, nesta quarta-feira (17), os impactos socioeconômicos ocasionados pela pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2). Promovido por iniciativa da Comissão Especial para Avaliação dos Impactos da Pandemia da Covid-19, da Casa do povo baiano, o encontro virtual recebeu a mestre e doutora em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília (UnB), Luciana Guerra Gallo.
Na audiência, transmitida pela plataforma Zoom, foram discutidos os reflexos e as despesas da crise sanitária no sistema público de saúde, bem como nas famílias. Em sua apresentação, Luciana – que atua como pesquisadora nas áreas de epidemiologia e controle de doenças infecciosas e parasitárias – expôs os dados do seu estudo, que integra seu pós-doutorado na UnB e investiga os impactos da Covid no dia a dia dos pacientes do Hospital Universitário de Brasília (HUB), mantido pela instituição.
Ao iniciar a sua participação na sessão, a convidada alertou para a seguinte máxima: “A Covid-19 atinge a todos igualmente”. No entanto, de acordo com ela, tal afirmação amplamente disseminada consiste em “uma falácia”, pois as consequências da pandemia estão associadas a determinados critérios – sexo, idade, cor ou raça, situação socioeconômica, entre outros. “São diversas realidades existentes e que podem impactar a todos, mas os impactos não são iguais para todos”, frisou.
A doutora Luciana Gallo explicou ainda que o seu trabalho de pós-doutorado contemplou 206 indivíduos com idades entre 19 e 98 anos, internados na unidade hospitalar da capital federal até janeiro deste ano. Segundo a referida pesquisa, os óbitos se manifestaram em pessoas com idade média de 65 anos, das quais 59% são negras – ou seja, autodeclaradas pretas ou pardas.
Em se tratando da análise por sexo, o levantamento constatou que os homens obtiveram a maior incidência de mortes por Covid, cujo percentual equivale a 58%. Quanto ao grau de instrução dos pacientes, a pesquisa forneceu os seguintes dados: 12% deles não possuem escolaridade, 41% já completaram o ensino fundamental, e 33,7% haviam concluído o nível médio.
O fato de o (a) paciente ter ficado doente produziu custos para suas famílias (medicamentos, transporte, exames, mudanças na casa, etc.), o sistema de saúde (medicamentos, leitos, oxigênio, nutrição, fisioterapia, etc.) e a sociedade (absenteísmo ao trabalho, óbitos precoces, etc.). Com relação à pandemia, ela gerou despesas também para os familiares (máscaras, álcool em gel, eletricidade, computador, etc.), o sistema de saúde (vacinas, outras doenças sendo negligenciadas e programa de controle) e a sociedade (desemprego, inflação, redução do turismo, etc.).
Demais impactos
Para Luciana, os pacientes ouvidos na pesquisa que declararam ter custos na alimentação, durante seu internamento no HUB, desembolsaram cerca de R$ 15 a R$ 45. “Do total, 23% dos pacientes gastaram com alimentação, enquanto 36% dos acompanhantes também o fizeram”, relatou, complementando que 95% dos entrevistados afirmaram ter utilizado algum meio de transporte para os seus deslocamentos diários.
O estudo analisou ainda os impactos que a Covid-19 trouxe na rotina profissional das pessoas internadas no hospital da UnB. De acordo com a pesquisa, 81% dos entrevistados estavam trabalhando e precisaram se afastar. Desse universo, porém, 74% dos trabalhadores não contribuíram para a Previdência Social e permaneceram em média 23 dias longe das suas atividades laborais.
Luciana Gallo também apontou para uma enorme pressão exercida sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), em virtude da pandemia. Na avaliação da médica, entre os diversos fatores determinantes na elevação das despesas da rede pública estão os gastos com internações, medicamentos, profissionais de saúde, insumos hospitalares, lavanderia, limpeza, nutrição, fisioterapia, terapia ocupacional, aparelho para videochamada e exames. “Tem um monte de custos que vem associado e a gente não lembra muito, e tudo isso representa um valor exorbitante”, destacou.
Ainda de acordo com a palestrante, a atual
conjuntura de crise sanitária fez com que o desemprego entre as mulheres se
agravasse no Brasil, bem como aprofundou outro problema aqui recorrente, a desigualdade
de gênero. De maneira idêntica, ela alertou para o crescimento da quantidade de
pessoas que vivem em situação de rua.
Cenário ajudou a explicar mais além
Depois de assistir à apresentação da doutora Luciana Gallo, o presidente da Comissão Especial para Avaliação dos Impactos da Pandemia, deputado Ângelo Almeida (PSB), disse que o cenário exposto na audiência online contribuiu para esclarecer “muita coisa que foge do nosso alcance nessa turbulência que estamos vivendo”. “Está claro que o Brasil é um país profundamente desigual, e a pandemia, em um país como o nosso, agrava ainda mais (as desigualdades)”, sublinhou.
O deputado socialista também relatou sua presença, nesta terça-feira (16), em uma reunião com representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quando sugeriu ao órgão que orientasse o Ministério da Saúde na elaboração de uma grande campanha de utilidade pública, objetivando reforçar os cuidados necessários para se prevenir do contágio pela Covid-19. “A informação é muito importante para que a gente possa fugir desse caos. As pessoas, por exemplo, estão banalizando o uso da máscara”, advertiu.
Ao dar continuidade ao encontro, Almeida concedeu a palavra ao diretor do Sindicato dos Policiais Civis do Estado da Bahia (Sindpoc), Reonei Menezes, que solicitou o apoio do presidente do colegiado para que o governo do estado inclua os policiais na lista de grupos prioritários para a vacinação. O parlamentar reiterou a informação do secretário estadual da Saúde, Fábio Vilas-Boas, de que a categoria será imunizada assim que as primeiras doses da vacina russa Sputnik V aportarem em solo baiano.
Já o presidente do Conselho Estadual de Educação, professor Paulo Gabriel Nacif, evidenciou a sua preocupação com os reflexos oriundos da pandemia na educação brasileira. Segundo Nacif, que foi reitor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a crise de saúde pública aprofundará progressivamente o quadro de desigualdade social no País.
“Os dados da pesquisadora demonstram o tamanho do nosso desafio. Teremos um processo duro de retorno às aulas e creio que o fosso da desigualdade aumentou como consequência da pandemia. Praticamente, as escolas públicas brasileiras não funcionaram, enquanto as particulares tiveram continuidade no funcionamento”, comentou.
Presidente da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público da Alba, a deputada Fabíola Mansur (PSB) afirmou que os efeitos da Covid-19 no âmbito educacional são devastadores. Mas na Bahia, conforme a parlamentar, há uma luz no fim do túnel, propiciando o retorno das aulas remotas. “Mesmo que a gente evolua para o sistema híbrido com o arrefecimento da pandemia, os impactos na educação são gigantes”, avaliou a socialista.
Transparência demorada
A servidora pública da Prefeitura de Salvador, Edna Maria, disse ter detectado uma lentidão na transparência dos dados sobre os impactos da pandemia entre os servidores municipais, a exemplo dos números de infectados e de óbitos na capital. Além disso, ela sugeriu a possibilidade de os pacientes renais crônicos estarem incluídos na lista de prioridade para vacinação.
O presidente da Fundação Luís Eduardo Magalhães (Flem), Rodrigo Hita, pediu que a doutora Luciana Gallo opinasse a respeito do tempo de resposta da Anvisa em casos de aprovação de uso emergencial de vacinas. Na observação da pesquisadora, a agência reguladora federal tem demonstrado agilidade, em comparação ao ritmo normal de tramitação dos pedidos dos imunizantes.
“Sei que é difícil acreditar nisso quando estamos desesperados por algo, mas eles (a Anvisa) estão sendo muito mais rápidos do que antes. Estão ampliando os esforços para dar uma resposta de maneira rápida. Só que nunca vai ser tão rápida para responder na velocidade que pedem nossos anseios”, ponderou.
Ao comparecer à audiência pública, a deputada Fátima Nunes (PT) se sentiu preocupada com a situação crítica dos (as) trabalhadores (as) que exercem funções como diaristas, domésticas, porteiros, agentes de limpeza, funcionários de administração, entre outras – contingente que atua majoritariamente em condomínios, e recebe um ou dois salários mínimos.
Fátima também disse que, com o advento da pandemia, a maioria dos indivíduos enquadrados nesse grupo teve que permanecer em seus domicílios. “Como é que estas pessoas estão vivendo? Muitas vezes, era com aquele salário mínimo, no máximo dois, que as pessoas levavam a comida para casa. Esse aprofundamento cruel do desemprego é uma tragédia”, indignou-se a petista.
No quesito alimentação, a doutora Luciana salientou que, além da perda de renda enfrentada pelos próprios trabalhadores, os preços de vários produtos que compõem a cesta básica sofreram reajustes. “Quem é que pode ficar em casa? Alguns profissionais conseguem trabalhar de casa, mas há funções que acontecem na rua. E se você ficar em casa, não há entrada de renda. Falta a entrada de renda com o desemprego e há o aumento da saída de recursos com o reajuste nos preços de itens de consumo. Isso pode gerar uma ‘bola de neve’ enorme”, alertou.
Encerrada a audiência, o presidente da
Comissão Especial para Avaliação dos Impactos da Pandemia da Covid-19 da Alba, Ângelo
Almeida, agradeceu a todos os participantes – colegas de parlamento, profissionais
de saúde, representantes do poder público e da sociedade civil – pelas suas intervenções
no encontro. Além disso, manifestou a sua gratidão especial ao presidente da Casa,
deputado Adolfo Menezes (PSD), pelo suporte dado às atividades do colegiado.
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