Anticorpos em soros de cavalos são mais potentes contra Covid-19

Estudiosos brasileiros verificaram que substâncias neutralizantes do novo coronavírus apresentam, em alguns casos, potência até cem vezes maior no tratamento da doença

Hugo Gonçalves

Salvador, 14 de agosto de 2020, data do 32º aniversário deste jornalista

Com informações da Agência Brasil

Matéria atualizada em 15 de agosto de 2020, às 16h47

 

Durante cinco semanas, antígeno foi inoculado nos plasmas de cinco animais em laboratório estadual do Rio de Janeiro
Arquivo/Instituto Vital Brazil


Por meio de estudos iniciados em maio deste ano, pesquisadores brasileiros confirmaram que os anticorpos neutralizantes do novo coronavírus, encontrados em soros produzidos por cavalos, são em alguns casos até 100 vezes mais potentes no tratamento da Covid-19. Foi o que explicou o coordenador do projeto, Jerson Lima Silva, do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista à Agência Brasil.

O projeto – apresentado nesta quinta-feira (13), durante um simpósio sobre a doença na Academia Nacional de Medicina (ANM), na capital fluminense – começou visando à obtenção de gamaglobulina purificada, material biológico mais elaborado, se comparado com soros antiofídicos e antitetânicos.

A substância é também conhecida como gamaglobulina hiperimune ou, simplesmente, hiperimune, pelo fato de os cientistas terem inoculado o antígeno por cinco semanas seguidas, nos plasmas de cinco equinos do Instituto Vital Brazil (IVB), administrado pelo governo do estado do Rio.

De acordo com Jerson, os cavalos – que se encontram em uma fazenda do laboratório no município de Cachoeiras de Macacu, na região metropolitana do Rio de Janeiro – foram inoculados com a proteína S recombinante do novo coronavírus (Sars-CoV-2), produzida no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ).

Transcorridos setenta dias, os plasmas desses animais passaram a obter anticorpos neutralizantes 20 a 100 vezes mais potentes contra o agente transmissor da Covid-19 do que os plasmas de humanos que a contraíram e estão em convalescença, ou seja, tendo sua saúde gradualmente restituída após a patologia ser manifestada.

Fruto de uma parceria entre UFRJ, IVB, Coppe/UFRJ e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o estudo tem apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Produção patenteada

Os resultados positivos do trabalho possibilitaram que a produção do soro anti-Covid-19 seja patenteada. O processo envolverá a obtenção da glicoproteína da espícula (coroa) do vírus com todos os domínios, preparação do antígeno, hiperimunização dos equinos, produção do plasma hiperimune, produção do concentrado de anticorpos específicos e do produto finalizado, após sua purificação mediante filtração esterilizante e clarificação, envase e formulação final.

Segundo Jerson Lima Silva, o resultado da inoculação nos cavalos surpreendeu os pesquisadores. “Os animais nos deram uma resposta impressionante de produção de anticorpos. Inoculamos em cinco e agora estamos expandindo para mais cavalos”, salientou o coordenador do projeto científico à Agência Brasil. “O quinto (cavalo), assim como acontece nos humanos, teve uma resposta mais demorada, mas também respondeu produzindo anticorpos”, prosseguiu.

Os estudos demonstraram a superioridade do soro produzido por cavalos para o tratamento da Covid-19, em comparação com o elaborado a partir dos plasmas de doentes convalescentes. “A gente vê que o nosso anticorpo do cavalo, em alguns casos, é próximo de 100 vezes mais alto. Entre 50 e 100 vezes”, disse Jerson.

Em outras palavras, os anticorpos produzidos pelos equinos são capazes de neutralizar o novo coronavírus com até 100 vezes mais potência, “mesmo quando a gente vai para a preparação final dos soros”, conforme o estudioso da UFRJ, que também é presidente da Faperj.

Jerson ressaltou ainda que o estudo evidencia outra vantagem: sua complementaridade às possibilidades de vacinas que estão sendo testadas para combater o vírus, cuja maioria se fundamenta na proteína da coroa. Para o coordenador do projeto, a ideia é que o soro obtido nos plasmas dos cavalos inoculados seja usado como tratamento através de uma imunoterapia, ou imunização passiva. Nesse caso, a vacina seria complementar.

Testes dependem de aprovação

Já os testes clínicos com o novo produto serão iniciados pelos pesquisadores somente após aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). O foco será pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19 que estejam internados, mas que não estão lotados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

Os experimentos, que ocorrerão conjuntamente com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), irão comparar os indivíduos que estiveram submetidos ao tratamento com aqueles que não o receberam. “A gente está bem otimista. Mas essa é uma etapa que tem de ser feita”, prometeu Jerson.

Além disso, de acordo com ele, a pretensão é firmar parcerias com outros laboratórios brasileiros que produzem soro, como os situados nos estados de São Paulo e Minas Gerais, porque os testes precisarão de uma enorme quantidade de material.

Conforme aponta o estudo, enquanto ainda não há vacinas aprovadas contra o coronavírus e em meio à dificuldade em atender à grande demanda em escala global, o uso potencial da imunização passiva por soroterapia deve ser considerado uma alternativa.

O método é bem-sucedido e já vem sendo aplicado há décadas na prevenção de patologias como raiva, tétano e picadas de abelhas, cobras e outros animais peçonhentos, como aranhas e escorpiões. Os soros de cavalos produzidos pelo IVB apresentam excelente resultado de uso clínico, sem histórico de hipersensibilidade ou quaisquer outras reações adversas nos pacientes.

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