Agora, Moraes entra para a eternidade

Com mais de meio século de carreira, cantor e compositor baiano, que morreu no Rio, aos 72 anos, deixa um legado emoldurado por uma diversa e criativa obra artística

Moraes Moreira
(* 08/07/1947 - † 13/04/2020)
Ricardo Borges/Folhapress

Um dos influentes gênios da Música Popular Brasileira nos deixou eternas doses de saudade, com um legado emoldurado por sua rica, diversa, magistral e criativa obra artística. Moraes Moreira teve sua prolífica carreira abruptamente interrompida por um infarto, quando estava sozinho em seu apartamento na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, transcorridos mais de cinquenta anos de uma trajetória coroada por êxitos alcançados dentro e fora dos palcos e dos trios elétricos.

Nascido Antônio Carlos Moraes Pires, na longínqua Ituaçu, interior da Bahia, em 1947, foi um dos exímios e mais representativos ícones da identidade cultural pátria, criando e entoando para uma legião de admiradores uma infinidade de documentos em forma de música, que objetivavam enaltecer nossa terra, nosso povo, nossas belezas e nosso modus vivendi. Cristalizado por seus múltiplos sacerdócios – cantor, compositor, instrumentista, arranjador, produtor, poeta e escritor –, ele ajudou a metamorfosear a nossa estética sonora.

Desde o período em que integrou os Novos Baianos, ao lado de Paulinho Boca de Cantor, do então casal Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil) e Pepeu Gomes, e do letrista Luiz Galvão, absorveu uma pluralidade de influências nacionais e estrangeiras. Hibridizou as ritmicidades nativas, com primordial atenção à bossa nova – tinham João Gilberto como mentor e inspirador –, ao samba, frevo e baião, harmonizando-as com elementos de fora, principalmente o rock and roll e seus traços psicodélicos.

Suas dezenas de músicas logo se perpetuaram em nosso cancioneiro, tanto gravadas pelo coletivo – Ferro na boneca, Dê um rolê, Preta pretinha, Acabou chorare, Mistério do planeta, Besta é tu, etc., além da releitura de Brasil pandeiro, do conterrâneo Assis Valente –, quanto já em sua fase solo, como Pombo correio (letra de Moraes, feita em cima de um tema instrumental de Dodô e Osmar), Lá vem o Brasil descendo a ladeira, Eu sou o CarnavalChão da praça, Meninas do Brasil, Festa do interior, Bloco do prazer, Coisa acesa, Santa fé, Chame gente, Sintonia, Cidadão, só para citar algumas composições antológicas.

Um novo baiano que, ao se valer do dom musical, da inovação, das glórias e do mérito, conquistou o país e o mundo, subindo e descendo as ladeiras dos interiores do seu estado de origem, da capital Salvador e da metrópole carioca, onde acabou se firmando para se sagrar artisticamente em todos os âmbitos e dimensões. Moraes, justamente, foi um autêntico signo da brasilidade, representando com orgulho nossa terra adorada em grandes e memoráveis shows pelo planeta.

Entre as emblemáticas apresentações que o fez amplificar seus horizontes em escala internacional, merecem destaque a Noite Brasileira do prestigiado Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, em 1981, em cuja programação incluíam ainda as participações de Elba Ramalho e de Toquinho, e também o dueto guitarrístico com Pepeu Gomes no Japão. Ambas essas experiências deram origem a registros ao vivo em disco.

Se não houvesse a contribuição genial de Moraes Moreira, o Carnaval de Salvador não faria sentido algum. Porque foi exatamente ele quem introduziu a emissão da voz humana, orgânica, em um trio elétrico, no ano de 1975. Tal façanha se materializou ao subir no caminhão amplificado de Dodô e Osmar, numa época em que os trios – aperfeiçoados a partir de uma invenção de 1950, atribuída à célebre dupla –, ainda tocavam única e exclusivamente melodias ressoadas por instrumentos, com predomínio absoluto da guitarra baiana.

Moraes, portanto, ajudou a “trieletrizar”, com toda a pompa e circunstância, a maior festividade popular do mundo. Abrindo parênteses: ele, inclusive, foi homenageado no Carnaval de 2017 por seu septuagésimo aniversário. A partir dessa intrépida revolução, construiu um dos legados decisivos que ele nos deixou para a posteridade, não apenas na folia de Momo, como, em definitivo, na MPB em seu conjunto.

Ao partir na última segunda-feira, dia 13, o músico baiano já ingressou para a história do cancioneiro pátrio na qualidade de membro de uma seleta plêiade de cantores, cantoras, instrumentistas e grupos atuantes no Brasil, bem como no exterior. Edificou um sublime itinerário, sonorizado por canções que se tornariam imortalizadas em seu canto e nas interpretações de outros artistas. Com sua voz, seu violão e sua guitarra agora postos em silêncio, o talento de Moraes, com certeza, vai ficar profundamente na memória do heterogêneo panorama rítmico brasileiro.


Escute, nos vídeos abaixo, algumas canções de Moraes Moreira que fizeram história

1. Preta pretinha (com Novos Baianos) (1972)
Composição: Moraes Moreira e Luiz Galvão


2. Acabou chorare (com Novos Baianos) (1972)
Composição: Moraes Moreira e Luiz Galvão


3. Pombo correio (Double morse) (1977)
Composição: Moraes Moreira, Dodô e Osmar Macedo
Você sabia? A canção chegou até a ser tema de abertura do Jornal Hoje, da Rede Globo.


4. Lá vem o Brasil descendo a ladeira (1979)
Composição: Moraes Moreira e Pepeu Gomes


5. Saudades do Galinho (1983)
Composição: Moraes Moreira, em homenagem ao seu ídolo Zico, quando o então jogador se despediu do Flamengo rumo ao futebol europeu, defendendo a Udinese, da Itália


6. Santa fé (1985)
Composição: Moraes Moreira e Fausto Nilo. A música foi tema de abertura da novela Roque Santeiro (1985-1986), da Rede Globo.


Bônus: Chame gente (1985), um dos hinos do Carnaval de Salvador
Composição: Moraes Moreira e Armandinho Macedo
Interpretação: Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar

Comentários

Unknown disse…
Saudades...dos carnavais com Moraes Novos Baianos