Iniciativas pelo mundo evitam extinção de espécies animais

De acordo com estudo internacional, pelo menos 21 espécies de aves e 7 de mamíferos foram salvas mediante programas de conservação da biodiversidade

Com informações da matéria exibida no Repórter Eco (TV Cultura) e do portal Mongabay Brasil

Matéria atualizada em 1º de março de 2021, às 13h01


Focos da pesquisa, aves – como a arara-azul-de-lear (acima) – e mamíferos são grupos de animais mais estudados pela ciência
João Marcos Rosa/Nitro


Um recente estudo internacional capitaneado por cientistas da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, concluiu que iniciativas de conservação da biodiversidade em todo o mundo evitaram o desaparecimento de no mínimo 21 espécies de aves e 7 de mamíferos em seus ambientes. O artigo, publicado na revista Conservation Letters, examinou os impactos positivos desses programas a partir de 1993, quando a Convenção sobre a Diversidade Biológica passou a vigorar.

Os pesquisadores decidiram se concentrar apenas em aves e mamíferos pelo fato de serem os grupos de animais mais investigados pela ciência, com maior volume de dados consistentes. Ao elaborar o estudo, eles buscaram respostas acerca da quantidade de extinções já evitadas, mediante análise das espécies que constam na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), classificadas em “extintas da vida selvagem”, “criticamente ameaçadas” ou “ameaçadas”.

Após um minucioso levantamento, os cientistas detectaram que ações conservacionistas inibiram 21 a 32 extinções de aves e 7 a 16 de mamíferos desde 1993, e também 9 a 18 desaparecimentos de aves e 2 a 7 de mamíferos desde 2010 – ano em que foram adotadas as últimas metas relativas à Convenção, assinadas por 193 países em um encontro na província de Aichi, no Japão.

Quanto às espécies de aves salvas, cinco delas se encontram aqui no Brasil, país que apresenta a maior biodiversidade mundial. Uma delas é a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), cuja sobrevivência só foi possível graças ao envolvimento conjunto na preservação da ave ameaçada, que ocorre exclusivamente em uma região do globo – a Caatinga, bioma que cobre o semiárido nordestino mais uma pequena porção do norte do estado de Minas Gerais.

Há treze anos, a bióloga Érica Pacífico coordena as atividades de monitoramento de ninhos da arara-azul-de-lear na Estação Biológica de Canudos, no município homônimo do sertão da Bahia, administrada pela Fundação Biodiversitas. A reserva ecológica está situada em uma região estratégica para a incidência da espécie.

“A arara-azul-de-lear é um grande exemplo de uma espécie que foi beneficiada com esforços de ações de conservação. Era uma espécie que estava à beira de extinção, e por causa desses esforços que foram feitos nesses últimos 30, 40 anos, a espécie passou a se recuperar. E hoje estima-se que tenham 1.800 indivíduos”, afirmou, em entrevista concedida online ao programa Repórter Eco, da TV Cultura.

Frentes para salvar arara-azul

Na avaliação de Érica, existe uma única estratégia de conservação da espécie aviária endêmica da Caatinga baiana, que consiste na necessidade de organizar frentes de trabalho multidisciplinares, com a colaboração de diferentes especialidades. O primeiro grupo cuida ativamente da educação ambiental.

“Isso é uma demanda que foi coberta por muitos anos pelo Cemave (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres, unidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio), que trabalhou a conscientização das pessoas para a proteção da arara e para criar esse orgulho de viver no local em que ela está”, declarou.

Outra importante frente, ainda segundo a bióloga, é incumbida da proteção integral dos ninhos e dormitórios, para que as araras-azuis-de-lear se sintam protegidas em um local onde elas possam reproduzir seguramente. Já o grupo de trabalho socioeconômico contribui para valorizar a questão cultural do bioma Caatinga e suas interações com a população sertaneja, uma vez que as aves estão presentes nos quintais dos moradores da região.

Por fim, há uma necessidade de trabalho especial na fonte de alimentação da arara – o coco da palmeira licuri (Syagrus coronata). “Se esse coquinho não estiver disponível no ambiente, com certeza a arara também não vai ter o que comer e vai acabar desaparecendo por mais que a gente trabalha nos outros esforços. Então, é uma ação multidisciplinar”, observou Érica.

 

Típico do Nordeste brasileiro, mutum-de-alagoas foi devolvido à natureza em 2020, após quarenta anos extinto
Divulgação/Crax

 

Enfim, ave de Alagoas retorna

Também através de um esforço entre programas de pesquisa, reprodução em cativeiro, educação ambiental e criação de reservas particulares, o mutum-de-alagoas ou mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) retornou à Mata Atlântica alagoana após quatro décadas desaparecido da natureza. A espécie foi devolvida ao seu habitat original em setembro do ano passado, quando três casais nascidos em cativeiro foram soltos na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Cedro, em Rio Largo, município próximo a Maceió.

“O mutum-de-alagoas, especificamente, tem uma importância científica muito grande (em nível) mundial, porque nós tivemos só três casos conhecidos, no mundo, de espécies que chegaram com apenas um ou dois casais que sobreviveram. E uma delas é o mutum-de-alagoas”, esclareceu o biólogo Mercival Roberto Francisco, especialista em manejo de fauna e conservação pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no interior de São Paulo.

As outras duas espécies são o falcão-de-maurício (Falco punctatus) – nativo das Ilhas Maurício, na África oriental – e o sabiá-preto das Ilhas Chatham, um arquipélago pertencente à Nova Zelândia (Petroica traversi). De acordo com Mercival, essas três espécies de aves atualmente constatam que, apesar de atingir níveis extremamente críticos de ameaça, elas ainda possuem chances de recuperação.

O especialista ainda afirmou que a reintrodução de uma espécie nunca termina no momento da soltura, pois é feita durante a fase subsequente, o monitoramento. “É quando, de fato, nós vamos avaliar se a área realmente vai comportar esses indivíduos, e se realmente a área ainda oferece condições para a sobrevivência dessa espécie na natureza”, frisou.

Os trabalhos de reprodução em cativeiro do mutum-de-alagoas, que viabilizaram a sua reintrodução, são realizados na sede da Crax – Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre, na cidade mineira de Contagem. Até hoje, aproximadamente 230 aves já nasceram nos viveiros mantidos pela organização não-governamental (ONG), no município da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Para o fundador e presidente da Crax, Roberto Azeredo, os processos associados à conservação da espécie aviária perduraram 46 anos, envolvendo tempo, esforço e recursos gastos. “Isso mostra que, rapidamente, nós precisamos começar a trabalhar com as espécies mais ameaçadas, para que elas não cheguem nesse nível de ameaça”, argumentou ao Repórter Eco.

“Eu acredito que é obrigação do cidadão, do governo brasileiro, da iniciativa privada e de todas as instituições que estão explorando novas áreas, trabalhar intensamente para a conservação das espécies ameaçadas, da biodiversidade no geral e da qualidade dos ecossistemas. A conservação da biodiversidade é nossa obrigação!”, defendeu Érica Pacífico.

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