Devastação de biomas põe espécies de plantas e fungos em risco

Relatório internacional aponta para desmatamentos e queimadas, que agravam o desaparecimento de exemplares da flora brasileira

Com informações da matéria exibida no programa Repórter Eco, da TV Cultura

Matéria atualizada em 30 de outubro de 2020, às 19h39


Inclusão de mais de 200 novas espécies no ano passado fez nosso país estar no topo da lista
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Diversas espécies de plantas e também de fungos desaparecem, sem ao menos serem desvendadas por cientistas. Tanto desmatamentos como queimadas que vêm ocorrendo em todos os biomas brasileiros agravam a perda de boa parte da maior biodiversidade do planeta, conforme alerta o relatório internacional do Real Jardim Botânico de Kew, instituição de ensino e pesquisa situada em Londres.

Um contingente hoje estimado em 1.942 novas espécies vegetais é descoberto ano após ano. Segundo o documento – que elenca resultados de estudos assinados por mais de 200 cientistas de 42 países –, o Brasil lidera a lista, com a inclusão de 216 exemplares da flora catalogados em 2019.

Pesquisadora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a bióloga Rafaela Forzza explica que a maioria deles pode ser encontrada em fragmentos de ambientes já devastados. “Então, é sempre uma alegria quando você encontra, é sempre bom quando há espécies novas, mas é motivo de muita aflição, porque normalmente elas estão restritas a pequenas áreas conservadas”, argumentou, em depoimento ao programa Repórter Eco, da TV Cultura.

Na avaliação do diretor de ciências da instituição britânica, o brasileiro Alexandre Antonelli, duas em cada cinco espécies de plantas estão agora correndo o risco de serem extintas. “No mundo todo, os principais fatores que ameaçam a biodiversidade são a conversão de florestas e ecossistemas naturais para agricultura, agropecuária e urbanização. E, no Brasil e em outros países também, a destruição das matas, na verdade, está ameaçando milhares de espécies. Isso não é sustentável para o futuro”, comentou.

No País, que abriga a maior diversidade mundial de seres vivos, seus seis biomas – Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica com suas restingas e manguezais – são gravemente atingidos por desmatamentos, ao passo que alguns deles sofrem com queimadas intensas. Logo, várias espécies desaparecem daqui sem que os cientistas possam ao menos descrevê-las. Já alguns exemplares só se manifestam aqui quando são únicos no planeta.


“Uma única planta produz mais componentes químicos do que qualquer laboratório”, diz botânico da USP
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Várias plantas medicinais já foram perdidas

O botânico Vinícius Souza, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), vinculada à Universidade de São Paulo (USP), observou que o Brasil já perdeu diversas alternativas de plantas medicinais, alimentícias e fibrosas, mesmo não tendo conhecimento desse prejuízo de dimensões incalculáveis para o nosso meio ambiente.

“Basta dizer que uma única espécie de planta produz mais componentes químicos do que qualquer laboratório do mundo. A gente vê agora, por exemplo, a busca de remédios para combater o coronavírus. Nas plantas, poderiam existir várias dessas soluções, mas a gente sequer sabe que muitas plantas existem. Imaginem então que a gente está num momento de perda de biodiversidade, e a velocidade dos estudos não consegue acompanhar essa perda”, disse.

O relatório demonstra ainda que 85 novas espécies de fungos já foram catalogadas no País. “Só na Amazônia, uma colher de chá de solo pode conter até 400 espécies de fungos diferentes. Em cada um deles, pode apresentar condições maravilhosas para movimentar nossa alimentação, nos dar remédios, curar doenças que há muito tempo estamos batalhando para tentar enfrentá-las, e estão desaparecendo numa velocidade muito alta também”, afirmou Antonelli.

A destruição dos ambientes naturais também é objeto de discussões de caráter ético. “É importante a gente ter em mente também que não devemos conservar só o que é útil. A gente tem que conservar porque esses seres vivem com a gente no planeta, inclusive. Este planeta não é só nosso, ele abriga diversos outros seres vivos, e que a gente deveria ter um respeito de coabitá-lo junto com eles”, salientou Rafaela, do Jardim Botânico do Rio.


Apesar de relatório identificar mais de 7 mil plantas alimentícias, quatro bilhões de pessoas dependem apenas de milho (acima), arroz ou trigo
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População ignora potencial

Além disso, o documento revela que a população mundial subestima o potencial de uso da biodiversidade. “Quatro bilhões de pessoas no planeta só dependem de três plantas: o arroz, o trigo ou o milho, enquanto que identificamos mais de 7 mil plantas disponíveis para a alimentação mundial. 80% do biocombustível mundial provêm de apenas seis espécies de plantas, mas a gente identificou mais de 2.500 espécies que poderiam ser totalmente aproveitadas nesse sentido”, frisou Alexandre Antonelli.

Segundo Rafaela, a pandemia da Covid-19 já está mostrando à população global que a devastação “não é uma brincadeira”. “As mudanças climáticas estão aí, mostrando para a gente que eventos cada vez mais severos vão acontecer e já estão acontecendo, e o relatório nos mostra que quão incapaz a gente está sendo de utilizar a biodiversidade de uma forma inteligente”, disse.

Para Antonelli, existem soluções científicas para proteger a biodiversidade, bem como impulsionar o desenvolvimento socioeconômico de qualquer país, porém isso não se trata de uma dicotomia.

“Podemos, por exemplo, promover a produção sustentável de muitas plantas. Muitas espécies brasileiras que são cultivadas de uma forma bem sustentável ao meio ambiente também são grandes fontes econômicas para as populações envolvidas, e que precisamos realmente transformar a nossa forma de lidar com as mudanças no meio ambiente”, comentou o diretor do Real Jardim Botânico de Kew.

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