Para Moraes, redes sociais devem ser responsabilizadas por ataques

Ministro do STF explicou que plataformas digitais atuam como instrumentos para ameaçar a democracia e o Estado de Direito

Hugo Gonçalves, jornalista (SRTE/BA 4507)

Salvador, 1 de abril de 2023

Com informações do portal Jota e da matéria exibida no Jornal da Cultura (TV Cultura)

Matéria atualizada em 2 de abril de 2023, à 0h35


“A extrema direita domina as redes; incapacidade de equilibrá-las é impressionante”, disse o magistrado
Reprodução/YouTube/Fundação FHC

 

Relator do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes discutiu nesta sexta-feira (31/03), durante uma palestra em São Paulo, o uso das redes sociais como instrumentos para promover ataques à democracia. Ele também reiterou que grandes empresas de tecnologia – as big techs – sejam responsabilizadas por tais ameaças, bem como defendeu a sua regulação, tipificando-as como corporações de mídia.

Moraes explicou, em sua fala, que a extrema direita foi capaz de entender os mecanismos de operação das plataformas digitais e capturá-las, objetivando atacar o regime democrático e o Estado de Direito constitucionalmente instituídos, em uma alusão óbvia aos atos golpistas de 8 de janeiro deste ano em Brasília. “A extrema direita domina as redes. É impressionante a incapacidade do restante da sociedade de pelo menos equilibrá-las”, comentou.

Conforme reforçou o ministro do STF, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “as milícias digitais não acabaram“. “Essas ideias fascistas, de ódio, saíram do bueiro. O bueiro foi destampado. Os instrumentos que a Constituição (Federal de 1988) autoriza que as instituições tenham não podem deixar de ser utilizados”, ressaltou.

Os movimentos antidemocráticos convocados sistematicamente pelas redes sociais não se restringem somente ao Brasil. De acordo com Moraes, o potencial ofensivo da internet, verificado a princípio na Primavera Árabe – que ocorreu no Oriente Médio, em 2010 –, rapidamente se expandiu para outras regiões e países, como Polônia, Hungria, Itália e Estados Unidos.

“A diferença não foi atacar de fora a democracia com os tradicionais golpes – golpe militar, ou golpe de uma elite apoiada por militares –, foi desgastar a democracia, atacar os três pilares básicos das democracias ocidentais: a liberdade de imprensa, eleições livres e Judiciário independente e autônomo”, destacou o magistrado.

Supremo: guardião da democracia

Promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC), o seminário do qual Moraes participou, intitulado “O STF e a Defesa da Democracia” (assista à íntegra aqui), abordou o posicionamento da Corte na qualidade de guardiã do exercício do regime democrático. Acompanharam o ministro na ocasião o presidente e o diretor-executivo da entidade, Celso Lafer e Sérgio Fausto, respectivamente, e os juristas Denise Dora e Oscar Vilhena, conselheiro da Fundação FHC.

“O Supremo Tribunal Federal teve que se usar de um regimento interno, para dar início a um inquérito que, no fundo, buscava suprir aquilo que os órgãos de inteligência e a própria Polícia Federal (PF) não estavam fazendo. Então, o STF conseguiu extrair do ordenamento jurídico brasileiro uma competência para defender a democracia”, ponderou Vilhena, também professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, em entrevista à TV Cultura.

O inquérito ao qual o jurista fez menção trata-se do processo que apura as fake news, instaurado em março de 2019 pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, após a PF arquivar mais de 30 ofícios referentes a ameaças ao Estado Democrático de Direito e aos membros da Corte e seus familiares. Desde então, realizaram-se inúmeras investigações referentes a atos antidemocráticos, como os ataques de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicais invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes da República.

No que concerne ao episódio que culminou na ofensiva ao cérebro das decisões políticas nacionais, Alexandre de Moraes – incumbido da relatoria do inquérito –, enfatizou a necessidade de responsabilização por esses atos, inclusive das redes sociais. Na avaliação dele, as plataformas digitais “foram instrumentalizadas e se permitiram instrumentalizar”.

 

Moraes defende que big techs sejam responsabilizadas pelo conteúdo postado em suas plataformas
Nicolly Vimercate/TechTudo

 

Regulação necessária

Em sua palestra, Moraes voltou a defender a regulamentação das redes. Segundo o ministro do STF, também é necessário responsabilizar as big techs pelo conteúdo publicado nas suas plataformas. O mesmo controle já existente deveria ser aplicado nos casos de pedofilia e violação de direitos autorais, e em postagens que apresentam comentários de teor nazista, racista e homofóbico, assim como discursos de ódio contrários à democracia.

O magistrado afirmou ainda que, do ponto de vista jurídico, a ideia seria tipificar corporações como Google e Meta – dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp – não mais exclusivamente como empresas baseadas em tecnologia, mas também como empresas de mídia e publicidade, e proporcionar maior transparência aos algoritmos.

“Não podemos deixar que isso passe sem pactuar novamente qual o grau de responsabilidade. Toda regulamentação tem que ser baseada numa única regra: o que vale no mundo real vale no mundo virtual. Liberdade com responsabilidade”, frisou Alexandre de Moraes.

O ministro da Suprema Corte avaliou que a regulamentação das ferramentas de mídia social no Brasil precisa passar por mudanças em alguns aspectos. “Ninguém duvida disso, inclusive as empresas. Elas perceberam que essa instrumentalização que sofreram, de forma, eu diria, por omissão conivente, no dia 8 de janeiro, a médio e longo prazo, é contra elas também”, argumentou.

Conforme seus críticos, a regulação das big techs implicaria censura. Entretanto, o presidente da Fundação FHC, Celso Lafer, declarou que essa providência “não significa censura e limitação da liberdade de comunicação, mas significa a responsabilização”. “Todo o trabalho do inquérito e das discussões do Supremo foram no sentido de deixar claro que é preciso ter uma regulação da segurança e da confiabilidade da informação”, salientou Lafer, que teve a honra de abrir o seminário, à TV Cultura.

Já na acepção de Moraes, existe a necessidade de levar em consideração que não é fácil atentar contra a democracia e o Poder Judiciário, notadamente o STF, que desempenha um papel crucial na contenção dos ataques ao regime constitucional. “A queda do Supremo Tribunal Federal seria a queda do Poder Judiciário brasileiro e (consequentemente) a queda do Estado Democrático de Direito”, finalizou o magistrado.

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