Romance é um retrato da juventude em pleno regime militar
Escrito por Marcus Veras, Qualquer maneira de amar conta a história de Mauro, filho de um militante político, que cresceu em
meio aos acontecimentos do período ditatorial
Com informações do jornal Correio*
Jornalista
e roteirista, o carioca Marcus lança seu romance de estreia
(Foto: Belinha Almendra/Divulgação)
A monumental juventude rebelde e politizada,
que enfrentava a temível ditadura imposta com o golpe articulado entre civis e
militares em 1964, é o elemento inspirador de um romance autobiográfico,
escrito por alguém que presenciou esse tempo sombrio. Deflagrado há cinquenta
anos, o episódio deu origem a um longo período de exceção, que alterou abruptamente os
rumos da história do país, sobretudo nos aspectos sociopolítico, econômico e
cultural.
Assinado pelo jornalista e roteirista Marcus
Veras e publicado pela editora Ponteio, o recém-lançado Qualquer
maneira de amar: um romance à sombra da ditadura traz ao leitor contos leves e bem-humorados, típicos do jornalismo moderno. Protagonista
do livro, Mauro nasceu no Rio de Janeiro, assim como o autor, e cresceu testemunhando
os acontecimentos políticos da década de 1960, dentro e fora do âmbito
doméstico, já que seu pai era simpatizante do antigo Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB).
Contrapondo-se à maioria de seus
contemporâneos, Mauro se interessou em outras dimensões de sua vida. Seu
engajamento na arena política, no decênio subsequente, foi manifestado de modo
mais indireto e sutil do que sua iniciação no tripé amor-sexo-drogas. “Ele até
tem problemas com alguns da esquerda que achavam ele um desbundado, drogado e
burguês”, descreve Marcus, 62 anos, em entrevista ao jornal Correio*.
O personagem central expõe, então, uma juventude
diferente – “sem atos de bravura no currículo, mas intenso na luta para crescer
e virar homem”, conforme definiu o jornalista –, embora o romance situasse no
mesmo contexto histórico. “A nova geração não vinculada diretamente à luta
armada começa a militar de outro jeito. Tenta descobrir outras formas de viver
e amar. Um caminho de aprendizado muito interessante e forte”, explica.
Egresso de veículos tanto da imprensa
alternativa e combativa quanto da grande mídia, Marcus Veras ressalta que “a
literatura brasileira tem obras maravilhosas de guerrilheiros diretamente
ligados à luta armada”. Ao escrever Qualquer
maneira de amar, seu primeiro romance, ele se espelhou no ponto de vista de
quem era amigo, simpatizante e vítima das perseguições do regime que perpetuou até 1985, com a restauração democrática.
Livro contém duas narrativas, situadas em contextos distintos
(Imagem: Divulgação)
Caminhos (entre) cruzados
Duas narrativas intercaladas, em épocas díspares, atravessam o
conteúdo do livro de 253 páginas. Ao contrário de uma delas, ambientada no
passado, quando Mauro era jovem, discursando em primeira pessoa, a segunda faz
alusão à sua fase adulta, com narrador onisciente em terceira pessoa. É nessa etapa
em que o protagonista encarna um advogado de 64 anos, cujas dificuldades
financeiras estão evidenciadas em seu perfil, daí as semelhanças com o
jornalista no tocante ao mundo real.
“(O
romance) Tem muitas coisas autobiográficas, mas trabalhei em cima delas”,
diz Marcus, cujo livro de contos A cidade
arde o fez ser contemplado com o Prêmio Guimarães Rosa de Literatura de 1986, organizado
em Minas Gerais. Segundo ele, assim como em qualquer arte, o escritor se vale
da própria situação experienciada, como foco para sua obra literária.
Apesar de a veia fictícia exercer
predominância sobre o horizonte da narrativa, dois momentos reais que o autor vivenciou estão inseridos nela. Enquanto o primeiro episódio, ocorrido em 1964,
quando sacerdotes do colégio católico onde ele estudava o obrigavam a
comparecer à marcha em repúdio aos comunistas, outra circunstância descreve a “convivência
incrível” de 12 dias com o jornalista Thomaz Antônio Meirelles, torturado e
assassinado severamente pelos militares em 1974.
Simplicidade
Simplicidade
Um elemento imprescindível também influenciou
toda a estrutura formal de Qualquer maneira de
amar: o ofício jornalístico do autor, a começar pela linguagem, evitando o
rebuscamento e privilegiando a objetividade. “O jornal te obriga a limar um
pouco o bordado, o floreio, e ficamos com uma linguagem mais direta”, justifica.
Em seguida, os títulos de cada capítulo
referem-se a canções criadas durante a ditadura, numa justa homenagem à arte
musical como estratégia de resistência à opressão e à tirania do poder
autoritário. Nessa abordagem, Marcus, que incursionou no jornalismo escrevendo
sobre música, mencionou trechos de obras-primas de artistas como Gilberto Gil,
Caetano Veloso, Jards Macalé e o grupo Novos Baianos. “Nesse período, a arte
foi maravilhosa, simplesmente gloriosa e serve de exemplo até hoje”, argumenta.
Conforme o autor, a temporalidade na qual o
romance é ambientado contribuiu ainda para que a democracia imperasse no
Brasil. “Fora dela, não tinha como o país crescer. A utopia faz a gente
caminhar. Aprendemos com nossos erros. Hoje, a gente sabe que, por mais complexa
que seja a política, não há outra saída”, analisa Marcus Veras. O livro, afinal,
é um fiel retrato de uma conjuntura histórica que precisa ser compreendida atualmente, com clareza e profundidade.
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