“O acarajé é patrimônio imaterial”
Entrevista: Marlon Marcos
Adepto da cultura afro-baiana, o eminente antropólogo, jornalista e professor Marlon Marcos Vieira Passos, 40 anos, mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Ufba (Ceao) e estudioso no assunto, traça um horizonte antropológico do singular, magnífico, fascinante e sedutor campo da culinária herdada dos antepassados de um povo multiétnico, especialmente seus carros-chefes, o acarajé e o abará, além de abrir uma explanação clara acerca do contato diário com as iguarias, o dia a de suas preparadoras, as célebres baianas, com seus inseparáveis trajes e tabuleiros
Entrevista concedida por e-mail em 7 de junho de 2011
“O acarajé e o abará são cheios de significados culturais para a representação do povo baiano”, aponta Marlon, extremamente apaixonado pelos quitutes à base de feijão e azeite de dendê, dois dos símbolos gastronômicos locais
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Como as iguarias típicas baianas, como o acarajé e o abará, são observadas pela Antropologia?
Marlon Marcos - Todo alimento, à maneira de prepará-los, traduz culturalmente um povo. Existe um ramo da Antropologia que se dedica ao estudo das culinárias de povos mundo afora. Temos um grande referencial aqui na Bahia que foi o professor Vivaldo da Costa Lima (fundador do Ceao, 1925-2010). Uma delícia estudar comidas e poder experimentá-las. O acarajé e o abará são cheios de significados culturais para a representação do povo baiano. Além de alimento popular, de servir como sinal diacrítico da Bahia no mundo, possuem, os dois, elementos sagrados por pertencerem à culinária dos orixás.
Você acha que o acarajé é o nosso patrimônio cultural?
M. M. - O fazer acarajé, seu receituário, sua tradição religiosa e popular, seus significados históricos, mais a sua antropologia asseguram ao acarajé o título de patrimônio imaterial dos baianos e dos brasileiros.
O acarajé e o abará deixaram um legado para a nossa cultura e para a cultura brasileira em geral?
M. M. - Sim. Representam a inventividade gastronômica dos nossos civilizadores negros. Nossos ancestrais africanos que aqui recriaram a sua cozinha, muitas vezes em função do candomblé. E assim modelam o tempero que este povo tem. Nos simbolizam como a pizza simboliza os italianos.
De que modo eles influenciam o cotidiano dos baianos?
M. M. - Olha, mata a fome de muita gente. Tem gente que só tem renda vendendo acarajé. Tem gente que enriqueceu assim. Por outro lado, por ser gostoso e relativamente barato, funciona como “prato do dia” para muitos baianos sem condições de fazer uma refeição mais cara. Alegra as “entradas” em bares e restaurantes e sempre acompanham nossas cervejadas ou, até mesmo, nossa Coca-Cola.
Você aprecia essas comidas típicas?
M. M. - Apaixonadamente. Quando estou fora da Bahia sinto falta até do cheiro do dendê que toma nossas ruas, juntamente com o fedor das urinas que deixamos lá também.
Camarão encarece os preços do acarajé, certifica antropólogo
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Por que os preços do acarajé ou abará com camarão são caros, ao compará-los com os sem camarão?
M. M. - Camarão encarece tudo.
A vida das baianas de acarajé é complicada?
M. M. - Como a vida de qualquer trabalhador informal. É dura a lida com o tabuleiro, não é fácil fazer acarajé e abará, é trabalho pesado, requer requinte, higiene e força física também.
Como as baianas são trajadas?
M. M. - De modo análogo com as roupas das filhas de santo das religiões de matrizes africanas. É bom ouvir O que é que a baiana tem? (1938) e A preta do acarajé (1939), do nosso genial (cantor e compositor Dorival) Caymmi (1914-2008), para entender isso com mais poesia e genialidade.
As baianas de acarajé são exclusivas da Bahia ou existem em outros locais?
M. M. - Se espalham pelo Brasil e alteram o jeito de fazer e servir o acarajé.
Por que as iguarias baianas são comercializadas em tabuleiros?
M. M. - Isso é uma tradição histórica erguida com as chamadas “escravas do ganho” que vendiam iguarias para seus senhores. Também é uma tradição religiosa, na qual as filhas de Oyá-Iansã (orixá dos ventos e das tempestades) iam às ruas vender o “acará”, alimento mais que sagrado desta deusa iorubana. Era uma forma de cumprir mais sacrifícios votivos após a iniciação daquelas que são filhas do fogo, filhas de Oyá.
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