Salve, símbolo augusto da paz: história e semântica da Bandeira Nacional


Bandeira atual do Brasil, instituída em 19 de novembro de 1889.
Autores: Raimundo Teixeira Mendes, Miguel Lemos, Manuel Reis e Décio Villares
(Imagem: Divulgação)




"Salve, lindo pendão da esperança!
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.


Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!


(...)"


(Hino à Bandeira.
Letra de Olavo Bilac e música de Francisco Braga, 1906)


Assim como em qualquer nação do mundo, nossa Pátria amada, idolatrada e mãe gentil, possui oficialmente o seu próprio estandarte, com vistas a manifestar o seu espírito patriótico e libertário, impregnado do culto a seus outros símbolos, bem como aos seus heróis. No caso da República Federativa do Brasil, sua impávida e gloriosa Bandeira Nacional denota uma simbologia rica em detalhes estéticos, geométricos, históricos e astronômicos, além de algumas curiosidades que elucidaremos nas linhas subsecutivas.


O hasteamento do radiante pavilhão verde, amarelo, azul e branco, conivente com a legislação específica, é obrigatório em órgãos públicos e em ocasiões cerimoniosas, seja festivas ou de luto nacional, civis ou militares, apenas pela manhã, e seu recolhimento, pela tarde. No entanto, fica proibida sua exposição à noite, exceto quando estiver bem iluminado. Consoante o parágrafo 1º do Artigo 13, da Constituição Federal vigente desde 5 de outubro de 1988, a bandeira brasileira, conjugada ao hino, às armas e ao selo, figura entre os quatro símbolos cívicos de uma evolutiva República proclamada há 126 anos.


O marechal Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892), chefe do Governo Provisório republicano, que proclamara o novo regime em função da instabilidade política ocorrida no Império, sugeriu que a nossa bandeira fosse idêntica àquela vigente durante o período monárquico cristalizado no absolutismo vigente na Europa na metade inicial do século XIX, desenhada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), por encomenda de Dom Pedro I (1798-1834), nosso primeiro imperador.


Instituída de facto e de jure por força do Decreto nº 4, de 19 de novembro de 1889, quatro dias contados de um golpe conspirado nos quartéis do Exército, abolindo uma monarquia centralizadora que explicitava incompatibilidades com a quase totalidade dos países das Américas – incluindo nossos vizinhos da porção meridional –, cuja forma de governo, adotada após suas respectivas libertações, já era a República, a atual flâmula brasileira foi idealizada por quatro republicanos convictos, em sua maioria simpatizantes do Positivismo.


Coube aos filósofos Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927), maranhense, e Miguel Lemos (1854-1917), fluminense, ambos estudiosos da doutrina comtiana, agregados ao astrônomo Manuel Pereira Reis (1837-1922) e ao artista plástico Décio Rodrigues Villares (1851-1931), também adepto dos ensinamentos positivistas, a concepção do novo pavilhão quadricolor. Na realidade, tratava-se de uma adaptação do nobilíssimo auriverde imperial, em alusão a suas cores prevalentes, conservando nítidas influências nele presentes.


A estrutura retangular verde e o losango amarelo nela sobreposto, porém com tênues modificações dimensionais nesse último para a elaboração da atual bandeira pátria, foram herdados da flâmula adotada no antigo regime. Nela, as duas cores constantes em cada signo geométrico – o verde e o amarelo – representavam, respectivamente, as casas imperiais de Bragança, à qual pertencia Dom Pedro I, e de Habsburgo, uma das sublimes famílias reais europeias da qual sua esposa, a imperatriz Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), fez parte.


Em substituição ao antiquado brasão de armas do Império, contendo a coroa em sua porção superior, Décio Villares teve a incumbência de projetar o círculo tingido de azul anil, localizado sobre o losango amarelo. Dentro desse novo elemento constitutivo da Bandeira do Brasil, encontra-se uma faixa curvilínea horizontal branca na qual se encontram, em letras verdes de tipologia sem serifa, os dizeres Ordem e Progresso, nosso lema nacional. A frase consiste numa livre síntese da divisa “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim” (“L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but”), adotada pelo movimento positivista, disseminado na  França na segunda metade do século XIX.


Segundo seu idealizador, líder e um de seus expoentes, o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857) – um dos precursores da Sociologia –, a doutrina, justificada pela emergência do capitalismo na conjuntura mundial, estava alicerçada nos três estágios constituintes da evolução natural dos Estados nacionais – o teológico, o metafísico e o positivo, que corresponderiam a cada dimensão da arena social – escravocrata, feudal e capitalista –, respectivamente.


Contrapondo-se à teoria marxista da luta de classes, o Positivismo teve como uma de suas premissas basilares a severa manutenção da ordem, propiciada somente através das classes irmanadas, para alcançar o progresso objetivando impulsionar a modernização de uma Pátria tropical fundamentada numa economia ainda primária, baseada na exportação de produtos agrícolas, a exemplo do café e do cacau. Portanto, a ideia de associá-lo à ordem social era um fator de suma primordialidade para os sectários positivistas.




Esquema ilustrativo das 27 estrelas presentes no círculo azul anil da nossa bandeira, posicionadas conforme o céu observado na cidade do Rio, no dia da Proclamação da República. Cada uma delas representa uma unidade da Federação
(Imagem: Divulgação)







Confira, a seguir, uma lista das 27 estrelas correspondentes aos 26 estados brasileiros e ao Distrito Federal, de acordo com o seu posicionamento na esfera celeste da Bandeira Nacional

1) Pará: Spica (Espiga ou Alfa da Virgem)
2) Amazonas: Prócion ou Alfa do Cão Menor
3) Mato Grosso do Sul: Alphard (Alfa da Hidra Fêmea)
4) Rondônia: Gama do Cão Maior
5) Mato Grosso: Sirius (Alfa do Cão Maior)
6) Roraima: Delta do Cão Maior
7) Amapá: Beta do Cão Maior
8) Tocantins: Épsilon do Cão Maior
9) Goiás: Canopus (Alfa da Carina)
10) Bahia: Gama do Cruzeiro do Sul
11) Minas Gerais: Delta do Cruzeiro do Sul
12) Espírito Santo: Épsilon do Cruzeiro do Sul
13) São Paulo: Alfa do Cruzeiro do Sul
14) Acre: Gama da Hidra Fêmea
15) Piauí: Antares (Alfa do Escorpião)
16) Maranhão: Beta do Escorpião
17) Ceará: Épsilon do Escorpião
18) Rio Grande do Norte: Lambda do Escorpião
19) Paraíba: Capa do Escorpião
20) Pernambuco: Mu do Escorpião
21) Alagoas: Teta do Escorpião
22) Sergipe: Iota do Escorpião
23) Santa Catarina: Beta do Triângulo Austral
24) Rio Grande do Sul: Alfa do Triângulo Austral
25) Paraná: Gama do Triângulo Austral
26) Rio de Janeiro: Beta do Cruzeiro do Sul
27) Distrito Federal: Sigma do Oitante




No que tange às estrelas alvas de cinco pontas, a priori distribuídas em oito constelações austrais – hoje são nove –, elas correspondem ao aspecto celeste da cidade do Rio de Janeiro, registrado às 8 horas e 30 minutos do dia 15 de novembro de 1889. Cada uma delas, posicionadas em conformidade com o céu observado naquela ocasião, tinham, a princípio, a intenção de representar os 21 estados que compunham a nascente República – atualmente são 26 – e a capital do país, que quando da instauração do novo regime era a própria urbe carioca, conhecida também como “Município Neutro”, logo convertida em Distrito Federal a partir da primeira Carta republicana do Brasil, promulgada em 1891.


À superfície esférica azulada do lábaro supremo da Nação, o astrônomo Manuel Reis acrescentou, nesse contexto, um total de 21 estrelas. São elas, a começar por aquela que simboliza o estado mais setentrional à época, o Pará – a Spica, também designada pela forma aportuguesada de seu nome, Espiga, ou, ainda, Alfa da constelação zodiacal da Virgem, ou, popularmente, “Solitária”, por aparecer solitariamente no círculo celeste, acima da faixa branca – e pela estrela representante do fronteiriço Amazonas, a Prócion ou Alfa do Cão Menor.


Os dois estados centrais, Mato Grosso e Goiás, são representados, nessa ordem, pelas estrelas Sirius (Alfa do Cão Maior) e Canopus (Alfa da Carina). Entretanto, os cinco estados que detinham magnífica importância e influência durante os primórdios da República brasileira eram traduzidos astronomicamente pelas estrelas do Cruzeiro do Sul – São Paulo (Alfa), Rio de Janeiro (Beta), Bahia (Gama), Minas Gerais (Delta) e Espírito Santo (Épsilon). Por ser considerada a constelação mais significativa da nossa bandeira, o Cruzeiro do Sul se apresentava verticalmente em relação ao horizonte da cidade do Rio, atual capital fluminense, no dia do golpe militar que enterrou nossa monarquia.


Todos os estados do Nordeste, com exceção da Bahia, são simbolizados por uma estrela da constelação zodiacal do Escorpião – Piauí (Antares ou Alfa), Maranhão (Beta), Ceará (Épsilon), Rio Grande do Norte (Lambda), Paraíba (Capa), Pernambuco (Mu), Alagoas (Teta) e Sergipe (Iota). Em cada estado da Região Sul, contudo, utilizou-se uma estrela integrante do Triângulo Austral para representá-lo – Rio Grande do Sul (Alfa), Santa Catarina (Beta) e Paraná (Gama). Já o Distrito Federal, ora a cidade do Rio ora Brasília, nossa capital desde 21 de abril de 1960, sempre foi representado pela Sigma do Oitante, posicionada umbilicalmente no globo azul anil.




Com a Lei nº 8.421, de 11 de maio de 1992, houve o acréscimo de mais seis estrelas ao panorama celeste observado no histórico 15 de novembro de 1889, simbolizando cada estado criado tardiamente à Proclamação da República. O Mato Grosso do Sul e o Acre encontram-se representados respectivamente pelas estrelas Alphard (Alfa) e Gama, ambas inseridas numa constelação inédita na bandeira, a Hidra Fêmea. As demais unidades federativas, todas situadas na Região Norte, são traduzidas por estrelas do Cão Maior – Amapá (Beta), Rondônia (Gama), Roraima (Delta) e, por último, o estado mais recente da Federação, o Tocantins, cuja estrela que o simboliza é a Épsilon.



A partir da difusão do atual pavilhão nacional, em toda a sua glória, o imaginário popular pátrio teve liberdade para deduzir novos significados para cada cor que a compõe. Sob uma perspectiva criativa, o senso comum passou a interpretar o verde como a representação da plenitude da vasta cobertura vegetal brasileira; o amarelo, as riquezas minerais do nosso solo; o azul, nosso céu; e o branco, o sentimento de paz que, teoricamente, deve reinar em abundância em nosso bendito território, caracterizado por suas extraordinárias dimensões continentais.


Embora seja adotada de forma oficiosa, essa, unanimemente, é a semântica mais adequada ao nosso “lindo pendão da esperança” e “símbolo augusto da paz”, conforme escreveu o poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918), um contemporâneo da aurora republicana verde-loura, na letra solene do Hino à Bandeira, cujo excerto inicial encontra-se reproduzido na epígrafe deste artigo.

Comentários

Parabéns pelo texto, Hugo! Bastante informativo!