Negros unidos enaltecem sua consciência
Celebrado nacionalmente em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra reverencia a memória de Zumbi dos Palmares, além de exaltar o sentimento de negritude dos descendentes de escravos
Data
foi oficializada em 2011 ao atender às demandas históricas do
movimento negro
(Foto:
Lúcio Távora/Agência A Tarde – 20/11/2014)
Uma data reflexiva acerca da inserção do negro na sociedade brasileira em todos os seus âmbitos de atuação. Assim se resume o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro de cada ano, em reverência ao sacrifício, há trezentos e vinte anos, do herói Zumbi (1655-1695), líder do lendário Quilombo dos Palmares, situado entre os atuais estados de Alagoas e Pernambuco.
Inserida no calendário nacional desde 2003, a efeméride foi institucionalizada pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, sancionada pela presidente da República, Dilma Rousseff (PT), ao atender à histórica reivindicação do movimento negro no Brasil como forma de homenagear, enaltecer e valorizar suas raízes, seus costumes, seus valores e suas tradições, bem como seu sentimento libertário, depositados naquilo que se denomina negritude.
De acordo com o diretor-executivo do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério, em entrevista ao jornal A Tarde, de Salvador, a data conscientizadora também se traduz, de forma afirmativa, em “um marco a ser lembrado, um dia para se pensar nos novos passos da luta contra o racismo, nos problemas que atingem a comunidade negra e de como superar esses problemas”.
Mais de mil cidades em todo o país, além dos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, através de decretos locais, formalizaram a data como feriado. Porém, aqui na Bahia, a ocasião possui natureza facultativa nessas circunstâncias. Alagoinhas, Camaçari, Cruz das Almas, Lauro de Freitas e Serrinha foram as cidades baianas que a decretaram como feriado, embora Salvador se encontre excluída do rol (saiba o porquê no final desta reportagem).
Libertador de seu povo
Nascido na Serra da Barriga, região atualmente ocupada pelo município de União dos Palmares, na Zona da Mata alagoana, e morto em 20 de novembro de 1695 por tropas chefiadas pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho (1641-1705), Zumbi dos Palmares, como era conhecido, tornou-se o mártir da luta pela libertação do seu próprio povo, imerso numa escravidão emanada do intenso tráfico de africanos para o território brasileiro.
O Quilombo dos Palmares, na análise do historiador e professor baiano Jaime Nascimento, foi um referencial na luta pela liberdade, não apenas para os homens e as mulheres de matriz étnica negra, mas também para mestiços e índios. De acordo com Nascimento, estimava-se que aproximadamente 20 mil pessoas conviveram em harmonia na comunidade, que seria exterminada no mesmo dia da execução de seu líder.
“Essa referência a Palmares – diga-se – Palmares era o nome que os portugueses deram. Na verdade, lá era (chamada) Angola Janga, que em banto é Pequena Angola. Então, eles (os habitantes do quilombo) aqui queriam reconstruir a liberdade, a sua sociedade em Angola – Pequena Angola, para o povo que lá estava”, examinou, em entrevista à repórter Juliana Cavalcante, da TV Bahia, afiliada da Rede Globo no estado.
Segundo o historiador Cláudio Fernandes, em artigo publicado no portal Brasil Escola, a data do brutal episódio da morte de Zumbi – 20 de novembro –, teve sua descoberta atribuída a historiadores no início da década de 1970. Esse fenômeno persuadiu os membros do Movimento Negro Unificado, em congresso organizado em 1978, ainda sob a ditadura militar, a escolher a figura de Zumbi como símbolo de luta e resistência dos negros escravizados no país, bem como das batalhas por direitos reivindicados pela negritude atual.
20
de Novembro foi escolhido para homenagear morte de Zumbi dos
Palmares,
bem
como a destruição do quilombo
(Foto:
Reprodução)
“O 13 de Maio não era construído por negros”
Porém, Nascimento explicou que a busca de uma ocasião evocativa do orgulho negro, de fato, havia sido uma demanda da militância desde os anos 1930. “Em São Paulo, a Frente Negra começa a discutir que o 13 de Maio (assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, em 1888, que aboliu em definitivo a escravidão no Brasil) não era uma data construída pelo povo negro, então que não teria essa referência toda. Isso vai se avolumando, e a partir da década de 1970 se busca uma data, o 20 de Novembro, que é a data da destruição do Quilombo dos Palmares e da morte de Zumbi”, disse o professor.
Cláudio Fernandes argumentou que a heroica figura de Zumbi dos Palmares, bem como sua memória, é prioritariamente reivindicada pelo movimento negro como símbolo de todas as conquistas obtidas e acumuladas pela população afrodescendente, “tanto que a lei que instituiu o dia da Consciência Negra foi também fruto dessa reivindicação”.
Na avaliação do especialista, por determinação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 – que instituiu a obrigatoriedade do ensino da disciplina História e Cultura Afro-Brasileira –, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana sugerem o nome do mártir como personalidade a ser abordada nas aulas ministradas em todas as séries do ensino básico, na qualidade de personalidade exemplar nas lutas dos afrodescendentes no Brasil.
“A despeito da comemoração do Dia da Consciência Negra ser no dia da morte de Zumbi e do que essa figura histórica representa enquanto símbolo para movimentos sociais, como o Movimento Negro, há muita polêmica no âmbito acadêmico em torno da imagem de Zumbi e da própria história do Quilombo dos Palmares”, disse Fernandes. “O 20 de Novembro é data de referência nacional, para que a população brasileira reverencie uma data importante para toda a população e não só para o povo negro”, alertou Jaime Nascimento
“Lula
anunciou que seria um feriado nacional, tornando qualquer ação do
município sem efeito”, disse
Aílton Ferreira
(Foto:
Divulgação/Uneb – 17/11/2011)
Porque Salvador ainda não transformou data em feriado
Em tempos pretéritos, lideranças negras de Salvador – cidade com maior número de afrodescendentes no país –, se declararam, num primeiro momento, contrárias à conversão do 20 de Novembro em feriado municipal. Logo, elas alegaram que essa deliberação poderia macular a característica das lutas políticas e sociais, criando um vazio alienante e transformando a data em um dia basicamente restrito às diversões, ou no jargão popular, à “farra”.
“Em 2010, o então presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT) anunciou que seria um feriado nacional, tornando qualquer ação do município sem efeito, pois a capital baiana estaria incluída”, recordou o sociólogo, militante do movimento negro e ex-secretário municipal da Reparação da capital baiana, Aílton Ferreira, em depoimento concedido ao portal iBahia, em 2012.
De acordo com Ferreira, apesar de não estar enquadrado como feriado, a participação dos soteropolitanos é uma constante no Dia da Consciência Negra. “(A data) Fica parecida com a Lavagem do Bonfim. Não é feriado, mas todo mundo vai para a rua. Já está consolidada no imaginário coletivo, no coração das pessoas, como uma data importante, que as pessoas vão celebrar”, sinalizou.
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