Palestra discute sexualidade para jovens surdos
As
relações sexuais e suas consequências foram abordadas em evento na Biblioteca
Monteiro Lobato que iniciou um ciclo de debates, na presença de deficientes
auditivos e especialistas no assunto
Os
professores surdos Milton Bezerra Filho e Maurício Damasceno (os dois últimos, da esquerda para a direita)
estavam entre os palestrantes
(Foto:
Hugo Gonçalves)
Um público estimado em cerca de cem pessoas, predominantemente
formado por deficientes auditivos, ocupou o auditório da Biblioteca Infantil
Monteiro Lobato (BIML), no bairro de Nazaré, numa manhã chuvosa deste domingo
(16). Todos compareceram ao local para assistir à palestra inaugural de um
ciclo de debates, destinado à comunidade surda de Salvador, sobre sexualidade e
educação sexual.
Batizada de “Amor e sexo: educação sexual para comunidade
de jovens surdos”, a palestra foi organizada pelo Centro de Estudos Culturais
Linguísticos Surdos (Ceclis), através do Núcleo de Saúde do Surdo, em parceria
com a BIML, e teve como propósito alertar e informar aos surdos a respeito das
atividades sexuais e de suas consequências negativas, como as doenças
sexualmente transmissíveis (DSTs), bem como a prevenção das mesmas.
Entre os palestrantes, marcaram presença os professores
Maurício Damasceno, especialista em língua brasileira de sinais (Libras), e
Milton Bezerra Filho, presidente do Ceclis, que fizeram breves discursos, além
de participantes anônimos. “Muitos surdos não sabem como se prevenir as DSTs e
a Aids, mas é importante o uso de preservativos”, afirmou Maurício, que leciona
no Centro de Capacitação dos Profissionais da Educação e de Atendimento às
Pessoas com Surdez Wilson Lins (CAS), em Ondina.
O professor de Educação Física da Associação Educacional
Sons no Silêncio (Aesos), Bruno Rocha, explicou que o surdo lê, mas não
entende, e apesar disso, tem que se esforçar e tomar cuidado. Já a jovem
Natalie reiterou a importância do uso da camisinha para os deficientes
auditivos.
Segundo Milton, grande parcela dos surdos ainda não
possui informações suficientes sobre o tema que foi abordado na palestra,
tornando-os vulneráveis às DSTs. “Muitas pessoas com deficiência são isoladas
socialmente por causa dos preconceitos de serem pessoas com deficiência, e o
surdo e seus familiares ficam expostos à falta de apoio nas políticas de saúde,
habitação, financeiras e emocionais”, argumentou.
E prosseguiu: “Chega de preconceito. Surdo tem direito
também. O surdo tem direito ao acesso da informação à prevenção, e é pelo meu
povo surdo que eu continuo lutando”.
O professor Milton ressaltou que o Ceclis tem como uma de
suas bandeiras proporcionar ao surdo, na perspectiva dos direitos humanos, a
redução das vulnerabilidades e da ocorrência de infecções provocadas por
relações sexuais desprotegidas. “A vida do surdo jovem será melhor e bem melhor
com a educação sexual”, disse.
Para o presidente do Ceclis, a instituição está firmando parcerias
com várias organizações públicas e privadas. “Não vamos ficar parados com um
projeto só. Vamos buscar outras parcerias. Hoje é domingo e estamos aqui
lutando. Nossa luta é diária”, encorajou Milton.
Público no auditório da biblioteca foi estimado em aproximadamente cem pessoas interessadas no tema
(Foto: Hugo Gonçalves)
Doenças
sexualmente transmissíveis
Após cada discurso rápido, houve a palestra propriamente
dita, com a parte técnica, abordando, em linguagem objetiva, algumas doenças transmitidas
pelo sexo, inclusive a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Quem teve
a incumbência de ministrá-la foi a professora e assistente social Rosemary Cruz,
especialista em reprodução humana.
Ela conceituou as DSTs como doenças que qualquer
indivíduo – “homem, mulher, jovem, mais maduro” – pode transmitir ou adquirir
através da relação sexual sem os devidos mecanismos de proteção. Todas elas são
transmitidas tanto por bactérias quanto por vírus, geralmente por via das
secreções masculinas e femininas no ato sexual. “As doenças sexualmente
transmissíveis continuam sendo um grande foco de preocupação na área de saúde”,
declarou.
Com larga experiência no assunto, Rosemary mostrou à
comunidade surda algumas imagens captadas de órgãos do corpo humano com os três
principais sintomas das DSTs – feridas, que se manifestam tanto na mulher,
através da vagina, quanto no homem, por meio do pênis ou do ânus, corrimentos e
verrugas –, para que a plateia que lotou o auditório fique alerta.
“São imagens que talvez vocês não tenham visto ainda no
dia a dia, talvez não na escola, mas é importante que vocês as vejam para poder
gravar o que é que elas se apresentam. Não precisam decorar o nome (de cada doença). O importante é vocês
perceberem que, em qualquer uma dessas imagens que vocês vejam, se algum dia
você apresentar ou conhecer alguém que as tenha, é sinal de que pode ser uma
DST. Então, é importante prestar atenção e como é que ela aparece, como é que
você pode identificá-la”, justificou.
Algumas DSTs que se manifestam com frequência nos atos
sexuais desprotegidos são a sífilis, a gonorreia, a herpes genital, o cancro
mole, o linfogranuloma venéreo e o condiloma acuminado.
Com
experiência em reprodução humana, a assistente social Rosemary Cruz conduziu a
parte técnica da palestra, discutindo as DSTs, inclusive a Aids, de maneira
simples
(Foto: Hugo Gonçalves)
É
possível conviver com Aids sim
Rosemary salientou que, entre essas doenças, a principal e
a mais preocupante é a Aids. Apesar de a Aids provocar a morte, ainda há
controle, já que os portadores da doença – denominados soropositivos – têm razoável
probabilidade de viver por muito tempo sem problemas.
Causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), que
destrói o sistema imunológico, responsável pela defesa do nosso corpo, a Aids
pode ser adquirida pela transfusão sanguínea, pelo uso de seringas contaminadas
e de materiais cortantes que entram em contato prévio com o sangue. Os
soropositivos, basicamente jovens, têm pouca ou nenhuma noção do tema.
“Hoje em dia, os jovens estão começando mais cedo a
educação sexual. Antigamente era um tabu”, disse Rosemary, acrescentando que
qualquer pessoa, atualmente, pode discutir livre e abertamente sobre sexo e sexualidade.
Segundo ela, entre as outras patologias que são
transmitidas por relações sexuais sem o uso de preservativos, a que merece
maior atenção é a herpes, manifestada por feridas. A doença venérea, causada
principalmente quando a pessoa está no meio de uma crise, não causa óbito,
porém é incurável e tem chances de ser controlada.
No ambiente escolar, a fim de evitar doenças, sejam DSTs
ou outras causadas por vírus ou bactérias, é imprescindível a higiene das mãos.
Conforme a professora, a forma mais adequada de prevenir a Aids e demais doenças
sexualmente transmissíveis é usar preservativos em todas as relações sexuais.
Durante a palestra, houve também relatos de jovens surdos portadores de DSTs.
Rosemary ainda sinalizou a existência da camisinha
feminina, porém predominam-se os preservativos masculinos. “São muito poucas as
mulheres que desejam realizar o treinamento para utilizar a camisinha”, afirmou.
Ela ponderou que o Ceclis já trabalhou e vai continuar trabalhando com a
distribuição de preservativos, para que os surdos sejam informados sobre as
DSTs, seus sintomas, suas consequências e suas formas de prevenção.
Antes de encerrar a palestra, os participantes sugeriram
possíveis temas para os próximos debates, dentro da temática de sexualidade
para os surdos. O professor Milton Bezerra explicou que o conceito de
acessibilidade foge do senso comum, indo muito além daquilo que as pessoas
veem, como nas rampas para deficientes físicos. Para ele, os surdos necessitam
de acessibilidade à comunicação, à informação, aos serviços de saúde e a outros
direitos que deveriam lhes ser indispensáveis.
Comentários
(Daniel Ferreira - Assessor de imprensa da vereadora Fabíola Mansur)
Parabens!
(Márcia Araújo)
(Vera Lúcia Santos)