Feira oferece arte, cidadania e inclusão aos baianos

Segunda edição do evento se traduziu num grande momento de integração, proporcionando às pessoas com deficiência e à sociedade em geral o acesso aos direitos, informações e expressões artísticas e culturais





Em um só dia, feira trouxe aos visitantes múltiplas atividades, como divulgação de projetos inclusivos e atendimento nos órgãos públicos, a exemplo do Procon
(Fotos: Hugo Gonçalves)

Disseminar de forma igualitária a plena garantia de direitos e informações, prestar serviços não apenas às pessoas com deficiência, mas em benefício de toda a população, e proporcionar-lhes uma atmosfera agradável, através da promoção de atividades culturais, artísticas e lúdicas. Essa foi a síntese da segunda edição da Feira Baiana de Inclusão. Organizado no último dia 5, na Praça Dois de Julho, no Campo Grande, Centro de Salvador, o evento simbolizou as comemorações pelo 3 de Dezembro, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.


A feira trouxe aos frequentadores uma multiplicidade de iniciativas verdadeiramente inclusivas. Entre os serviços gratuitos ofertados, mereceram especial atenção a solicitação do passe livre intermunicipal no transporte coletivo para deficientes e idosos, a obtenção de documentos, como certidão de nascimento e registro civil para pessoas que não possuem carteira de identidade, e o atendimento nos estandes da Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e do Serviço de Intermediação para o Trabalho (SineBahia), especialmente montados para a ocasião.


Conforme a secretária da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Ariselma Pereira, a II Feira Baiana de Inclusão consistiu em um importante momento de integração social, oportunizando aos cidadãos o acesso aos direitos e informações, combinado com o pluralismo cultural emanado das exposições de artesanato, moda, artes plásticas e literatura, e também dos espetáculos musicais e teatrais e dos recitais poéticos. “Para a gente, é uma alegria muito grande celebrar o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência com essa grande feira de cidadania e de garantia de direitos”, resumiu.


O superintendente dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Alexandre Carvalho Baroni, lembrou que a primeira edição do evento, realizada em 6 de dezembro de 2013, no mesmo local, serviu de laboratório para o seu desenvolvimento e a sua consequente divulgação, manifestados a partir deste ano. “A gente agora entende que essa segunda edição é para continuar, ou seja, já está aí agora com previsão da terceira, depois da quarta, e enfim. A ideia é essa”, ressaltou Baroni, acrescentando que um público estimado em cerca de 2 mil pessoas prestigiou a feira.


Elogios de líderes


Algumas das mais relevantes lideranças engajadas na luta pelos direitos da pessoa com deficiência na Bahia também participaram da ação mobilizadora. Uma delas, a fundadora e presidente da Associação Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), Luíza Câmera, fez questão de elogiar a iniciativa do governo estadual na área de inclusão, realizada anualmente no mês de dezembro, sempre na semana em que se comemora o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.


Fizemos esta feira com grande alegria e esforço para mostrar à sociedade baiana o potencial das pessoas com deficiência, a superação, a alegria e, enfim, toda a nossa força e garra para vencer toda e qualquer dificuldade”, frisou Luíza, que também assinou dois livros – Não se cria filho com as pernas (1981) e Mulher da vida (1995) –, ambos relançados em edições revisadas, expostas na ocasião. Segundo a presidente da Abadef, as obras convencem o leitor a esclarecer o desconhecimento pela causa e pelo potencial dos portadores de necessidades especiais.


Sensibilizado, o professor universitário e presidente do Centro de Estudos Culturais e Linguísticos Surdos (Ceclis), Milton Bezerra Filho, que é deficiente auditivo, disse que a II Feira Baiana de Inclusão teve peso substancial para a pessoa com deficiência, notadamente para a comunidade surda.


Para o surdo, (a feira) apresentou o projeto da Cilba [Central de Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) da Bahia]. Teve também apresentações culturais com intérprete, então os surdos puderam prestigiar a poesia apresentada”, assinalou, citando que a comunidade surda ainda teve a oportunidade de se informar sobre acessibilidade, passe livre intermunicipal e mercado de trabalho.


Através do Grupo de Trabalho de Psicologia e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (GTPcD), o Conselho Regional de Psicologia da 3ª Região (CRP-03) trouxe para o evento orientações úteis para conhecer melhor as necessidades das pessoas com deficiência, contribuindo para o aprimoramento da prática dos profissionais atuantes nesse segmento. “Participar dessa feira é muito importante, porque mostra para a sociedade que o CRP-03 está aberto e integrado às necessidades da pessoa com deficiência”, disse a coordenadora do GTPcD, psicóloga Márcia Araújo.


Ação mobilizadora foi substancial para a comunidade surda, afirmou o professor Milton (o segundo, da esquerda para a direita), do Ceclis
(Foto: Hugo Gonçalves)

Superação por meio da arte


Cidadãos que possuem algum tipo de incapacidade sensorial ou mobilidade reduzida também são capazes de fomentar a difusão cultural como estratégia de superação. Portadora de deficiência visual, a escritora Odelita Figueiredo, mais conhecida como Déli, é um formidável exemplo de perseverança e determinação por meio da arte. Vestida com traje típico de baiana, Déli compareceu ao evento inclusivo para recitar seus poemas e divulgar sua obra literária, bem como comercializar suas publicações, concebidas para evidenciar sua luta diária pela reabilitação.


“Eu escrevo (livros) pelo sistema braile, que é um sistema de leitura para cegos, e escrevo também através de um programa assistido de computador, no qual posso acessar a internet inclusive. Eu escrevo poesia, contos, crônicas, romances, e por aí vai”, contou a autodidata, que contabiliza nove livros publicados, sendo que o mais recente, Corpo de Braille, foi lançado em 2008 pela editora Scortecci, de São Paulo. “Eu já tenho uma longa estrada, apesar de ser menininha ainda”, prosseguiu.


Outra deficiente que se utiliza das expressões artísticas a fim de superar os obstáculos e limitações, a atriz, militante e coordenadora da Associação Baiana para Cultura e Inclusão (Abaci), Cristina Gonçalves, também cega, estava orgulhosa ao comparecer à II Feira Baiana de Inclusão. “Para nós, pessoas com deficiência, é um grande feito estarmos aqui nesta praça depois de tanta luta para mostrar às nossas instituições e ao nosso trabalho os artistas com deficiência, porque nós temos que ocupar os nossos espaços”, explicou.


Segundo Cristina, a presença de visitantes provenientes tanto da capital quanto do interior implica compreender a dimensão territorial do estado baiano, integrado por 417 municípios, cuja maioria carece de assistência aos portadores de necessidades especiais. “A gente tem que trazer a pessoa com deficiência para todos os seus direitos e também exercer todas as suas condições e as políticas públicas favoráveis para as pessoas com deficiência”, justificou a coordenadora da Abaci, que foi uma das instituições expositoras da feira.


No estande do Grupo de Portadores de Artrite Reumatoide de Salvador (Gruparsa), foram expostos e postos à venda artefatos de biscuit e bordados, molduras de papel e bonecos, além de produtos de artesanato para o Natal, todos confeccionados voluntariamente pelas mãos solidárias e habilidosas de homens e mulheres que sofrem da doença inflamatória crônica das articulações.


O tesoureiro do Gruparsa, Raimundo Ribeiro do Sacramento, explicitou que a artrite reumatoide, embora não seja enquadrada como deficiência, transforma o paciente em um deficiente por suas limitações ocasionadas pelos sintomas. “Estavam aqui muitas pessoas com suas limitações, mas também não deixem por menos, fazendo aquilo que gosta e aquilo que tem condições de fazer”, disse.


Portadores de artrite reumatoide expuseram, no estande do Gruparsa, peças forjadas com sua própria habilidade, como bordados e molduras de papel (acima)
(Foto: Hugo Gonçalves)

Instruir para incluir

Orientados pela professora Aline Nazaré, os alunos da Escola Djalma Pessoa, unidade do Serviço Social da Indústria (Sesi) no bairro de Piatã, aproveitaram a ocasião para expor um projeto pedagógico, que consiste em um manual de aprendizagem significativa com vocação para os surdos alfabetizados. Para a docente, a iniciativa tem como objetivo principal incrementar o vocabulário para os deficientes auditivos, aprendendo mais palavras em língua portuguesa para que o aluno possa se desenvolver eficazmente em processos seletivos, concursos e em todas as circunstâncias.

“O nosso intuito de estar aqui hoje (no dia da feira), o meu, dos meus estudantes e das minhas educandas, é apresentar um recurso pedagógico que nós estamos tentando criar para que possa favorecer a ampliação do vocabulário para os deficientes auditivos”, esclareceu Aline, que colaborou na idealização do projeto e leciona a disciplina Produção de Texto.

Atuando no campo da assistência social, sobretudo na inserção de pessoas com deficiência na sociedade, na escola e no mercado de trabalho, a Associação Baiana de Pessoas com Deficiência – Projeto Incluir foi um dos expositores que tiveram papel essencial na organização da II Feira Baiana de Inclusão. “(O projeto) Inclui os alunos para que eles se tornem importantes e sujeitos”, afirmou a assistente social do programa, Bianca Rebouças.

O secretário de Promoção da Igualdade Racial, Raimundo Nascimento, argumentou que a ação inclusiva anual exerce enorme relevância no estado da Bahia, especificamente para as pessoas que lidam com a questão dos deficientes. “É de fundamental importância o governo dar atenção e se responsabilizar por esse segmento importante da nossa sociedade”, explicou.

“Essa é uma feira, de fato, de inclusão, para que as pessoas possam não só se beneficiar, mas também conhecer aquilo que a gente tem na Bahia para as pessoas com deficiência e para toda a sociedade de forma geral”, salientou o superintendente dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Alexandre Carvalho Baroni.

Semelhante raciocínio foi corajosamente adotado pela secretária da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Ariselma Pereira, no discurso de abertura do evento. “Essa é uma verdadeira feira da participação, da integração e de acesso e divulgação dos nossos direitos, dos direitos das pessoas com deficiência. O nosso desafio é levar essa feira para os diversos municípios da Bahia, porque justamente essa feira é da inclusão, da integração e do acesso, de mostrar que a deficiência não nos limita.”

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