Imagem + palavras = probabilidades de informações

Entrevista: Gil Maciel

Editor de infografia de A Tarde explica os atributos do recurso visual quando aplicado ao jornalismo

“Toda infografia é uma imagem que está dentro do contexto de uma página. Às vezes aquela informação tem muita força.”
(Foto: Hugo Gonçalves)
Produto da indefectível combinação do texto com as figuras, sejam fotografias ou desenhos abstratos ou verossímeis – que intencionam aproximam o mais possível da realidade –, a infografia traduz a estratégia de explicar e proporcionar, por um viés didático e interativo, qualquer conteúdo informativo de forma mais dinâmica e precisa. Esse recurso visual multimídia se disseminou rapidamente em todo o globo, com o constante esforço e suporte dos profissionais especializados, os designers e editores de arte, tendo migrado para os veículos impressos – revistas e jornais –, a televisão e a web.
No que tange à temática mencionada, convidei o editor de infografia de A Tarde, Gil Maciel, para conceder uma entrevista exclusiva na redação do jornal, no Caminho das Árvores. Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em 1991, Maciel, natural de Areia Branca, no interior do Rio Grande do Norte, descreve o longo e trabalhoso processo para conceber um infográfico, seus critérios, características e peculiaridades, os obstáculos enfrentados pelos infografistas, a articulação da infografia com o texto das matérias jornalísticas e outros elementos visuais e a corrente situação do ramo, que apesar de ser um mercado relativamente novo está se expandindo nas redações.
Qual é a sua rotina como editor de infografia de um veículo impresso?
Gil Maciel – Para explicar minha rotina como editor, precisa explicar o que é que eu faço. A infografia é uma forma que é considerada um gênero jornalístico, ou seja, é uma maneira de narrar um fato. O que é que a gente faz? A gente narra esses fatos jornalísticos, os acontecimentos, com imagem, seja, a variação na taxa do dólar, que eu estou narrando com um gráfico ascendente ou descendente. Toda essa variação do dólar – aquele sobe e desce diariamente ou mensalmente – até como é que aconteceu com a queda de um avião. Eu vou desenhar um avião, decolando no momento em que a pane aconteceu, digamos, num motor, e que o outro motor quebrou, como ele caiu e como foi a queda, quantas pessoas sobreviveram. Você conta as coisas usando imagem e texto; só imagem não vai resolver. Se eu fizer esse avião subindo, acontecendo uma explosão, e ele caindo, eu não vou descrever totalmente o que aconteceu. Então, a gente usa infografia em alguns momentos do jornal para elencar alguma variação de números, ou fazer uma comparação entre números, situações. Ou eu não tenho a imagem daquilo; por algum motivo eu não consegui a imagem dessa queda do avião, por exemplo. Se eu tivesse entre a infografia e a imagem da queda do avião, a imagem da queda do avião é mais fácil porque ela é real. Está ali. Eu não estou reconstruindo nada. Eu flagrei um momento.
Então, geralmente, o que é que eu faço, voltando à sua pergunta? Eu chego depois de Lorena e de Mauro, tem mais uma pessoa que vai chegar, que é Túlio, também infografista, os três são designers; eles trabalham desenhando informação. Aí, a gente vê o que é tem, qual é a pauta do dia, o que é que tem para a gente fazer. Ah, tem um pedido de Economia sobre a variação no preço do cacau nos últimos três anos, ou nos últimos quatro meses, ou a safra recorde do cacau. Eu vou lá falar com o editor de Economia, saber quem é o repórter, perguntar a ele informações sobre, ver que números ele tem, e aí eu vou desenhar esse número. Eu vou desenhar essa informação, vou ver como é que a gente vai fazer isso. Semana passada, tinha alguns 7 ou 10 bairros, eu não lembro mais agora com certeza, onde havia uma maior infestação de ratos. A infestação chegava a 25%, é um valor que eles estipulam aí, e o maior número de leptospirose, casos de leptospirose, em Salvador. Aí, o que a gente fez? A gente pegou o mapa de Salvador, pontuou esses bairros onde é que eles estavam para mostrar aonde se concentra. Então a gente teve uma ideia, apesar de a infografia ser fraca, que só tinha isso de informação, mas você conseguiu ver que a concentração de casos estava no centro do mapa de Salvador. Era no centro de Salvador. No meio da cidade era onde havia essa maior concentração. A própria imagem já diz algo sobre o assunto.
Aí eu vou lá, eu apuro com o repórter. Se eu tiver alguma coisa para pedir, ou achar que talvez essa informação precise ter mais força, estar mais consolidada, estar mais bem amarrada, aí eu converso com o repórter, a gente negocia e vê o que é que ele pode apurar ainda. Feito isso, eu chego com o repórter ou na hora que estou conversando com ele ou depois. Eu sento com um infografista e a gente planeja de que forma a gente vai dar essa narrativa, de que maneira eu vou organizar essas informações, se vai ser um gráfico, se vai ser um desenho, se vai ser um gráfico de área, se vai ser um gráfico de barra, se vai ser um gráfico de linha. Feito isso, eles precisam de uma medida porque toda infografia é uma imagem que está dentro do contexto de uma página. Às vezes aquela informação tem muita força, então ela é uma coisa importante, ela pode ser a imagem principal da página, que tem muita coisa nela. Se ela for entendida, ela vai ter que ser maior. Ou às vezes ela é uma coisa menorzinha, que pode ser resolvida ali; ela complementa alguma coisa. Definido isso, também, junto com o editor, ou com o repórter, e com o infografista, ele começa a executar o trabalho, o material fica pronto, eu dou uma revisão, faço uma revisão nele, reviso mais uma vez para ver se está tudo OK, entrego ao repórter ou ao editor, ou aos dois, para eles avaliarem as informações, trazerem-nas, e a gente salva-as na página. Esse é meu dia a dia.
Dentro da sua editoria, existem algumas peculiaridades na forma de redigir as matérias?
G. M. – É isso. Como a gente trabalha com desenho, imagem, então a primeira coisa que a gente fala é assim: o texto do infográfico, antes, a gente chamava dizer que era um texto telegráfico, de telegrama. Hoje em dia, como tem o Twitter, é uma tuitada, é curto. Todas essas informações são muito curtas, muito precisas, sem nenhuma elaboração de estilo, é seco, duro, sem, obviamente, respeitando as coisas, nenhum adjetivo, a informação absolutamente precisa. Por exemplo: a distância entre as casas era cerca de 3 metros. Eu não posso desenhar cerca de 3 metros. Ou eu desenho 3 metros e digo: “Oh, essa distância aqui equivale a 3 metros, ou 3 metros e 10, ou 3 metros e 15”. Mas não é nunca “cerca”, as medidas, as distâncias, às vezes, são muito exatas. Elas têm que ser exatas para funcionarem. Também não posso dizer: “Ah, o preço varia de tanto para tanto”; eu posso até fazer essa variação de máximo e de mínimo, mas “cerca de” nunca funciona. Eu tenho que ter um número, no máximo, uma variação de uma coisa para outra. Se não, eu não consigo desenhar, porque eu gero forma a partir de números, a partir de informações. Como eu gero forma e imagem a partir de uma informação, eu preciso que essa informação seja exata, para que a forma tenha um tamanho exato dela. As peculiaridades de narrativa, escrita, seriam essas. É sucinto, objetivo, bastante objetivo, e dados exatos e precisos.
Existem particularidades, também no âmbito de sua editoria, no modo de abordar fontes e de construir uma agenda (pauta)?
G. M. – Sim. Primeiro: eu posso infografar tudo, certo? Obviamente, eu vou infografar aquilo que é melhor dito em imagem. É... Qual a melhor maneira para se descrever um trio elétrico? Eu já fiz infografia que era desmontando um trio elétrico, que era como é um trio elétrico: o tamanho do caminhão, o que é que tem dentro. Por quê? Uma coisa de descrever um trio elétrico.  É um caminhão tal, que tem tanto de altura, tanto de largura, o motor é esse, é assim. Tem uma coisa na traseira dele, que é um gerador de energia; esse gerador espalha energia por dentro, no camarim, no banheiro, para acender a luz; lá em cima no palco, eu posso descrever isso. Mais isso fica melhor, mais visível, se eu desenhar. Fui construindo-o, aí o que é que a gente fez? Eu queria mostrar como era o trio elétrico. É o que a gente chama de imagem expandida. Você pega o objeto, e vai quebrando-o, soltando e tirando as partes para poder mostrá-lo todo por dentro. Aí, a minha apuração para isso é muito mais exata. Eu não tenho que perguntar só o que é que tem. É melhor eu ir lá o que eu fiz. E quando vou entrevistar uma pessoa, aí eu faço perguntas que o jornalista de texto não faria, que são: “Qual a dimensão exata disso aqui?”, “Qual é altura?”, “Qual a largura?”, “Como é que funciona o chassi”, “Como é que está por dentro isso aqui?”. Eu faço fotos, para poder reproduzir, aí mostra o gerador de energia. Aí eu pergunto: “Tem uma tubulação que leva esses fios que saem daqui, que vai lá para o palco, como é que funciona isso?”, “No palco, como é que se distribui?” Fotografa para ver o desenho, e ver onde se encaixam as luzes, o sistema todo de luz, onde é que ficam os instrumentos, que instrumentos são esses? Quantos instrumentos são? Quantas pessoas cabem aqui dentro? Como é que é a circulação, desce por onde, sobe por onde? Eu vou mapeando tudo isso com imagem, inclusive, porque eu vou usar isso para desenhar. Então as minhas perguntas são muito mais técnicas, é uma descrição técnica de um caminhão, que é um trio elétrico.
Quais são os desafios que o senhor pode enfrentar em seu dia a dia no exercício de sua profissão?
G. M. – Complicado isso, hein? Uma estrutura para trabalhar, o desafio de ter uma coisa que é muito comum. A tradição da infografia quase inexiste, então as pessoas estão muito acostumadas ao texto. O jornalista ainda escreve o texto, o texto que é forte, a força do texto, o poder que o texto tem de criar imagens mentais. Enquanto você for trabalhar com infografia, o seu texto, como já lhe disse, é um texto seco, ele é duro, ele não tem canto, porque ele vai funcionar depois quando aquilo tudo ficar lindo. Mas o texto, que é esse instrumento sagrado, sacrossanto, do jornalismo, a frase, depois é outra frase, depois é outra frase, ele pega esse poder em um continuum. O texto não está a serviço de construção de uma imagem, que é mental, no leitor. Ele está a serviço de uma construção de imagem que é real, e ele vai estar articulado com outros elementos. Então, isso é difícil fazer isso para o jornalista, porque ele acha que vai poder descrever tudo, e que aquilo que você faz era menor, que aquilo diz menos, que não é tanto, que é um apoio. Uma das dificuldades seria essa, o entendimento, pelos coleguinhas jornalistas, de que tem uma narrativa jornalística ali, que é uma investigação. E tem uma apuração necessária e específica, e que não é menor, nem maior, mas que complementa as coisas.
De que modo sua editoria utiliza recursos como infográficos, diagramação e fotografias?
G. M. – Eu trabalho na editoria de Infografia, então eu uso a infografia, eu já uso esse recurso, eu o produzo. No caso da minha editoria, é uma editoria que produz esse recurso que você está me perguntando. Agora eu posso lhe dizer que, no que diz respeito à diagramação da página, se a gente entendê-la como um conjunto de discursos que produz um novo discurso único a partir desses pequenos outros discursos que são a manchete, a fotografia, a legenda da fotografia, o infográfico, o tipo de texto. Você tem um principal, você tem uma coordenada, a organização dessas informações. Uma página e uma matéria, como uma reportagem, é um somatório de várias outras pequenas coisas, como narrativas; são várias pequenas narrativas que convergem para uma narrativa maior, que é a reportagem. No meu caso, é aquilo que já toquei um pouco mais antes sobre isso. Às vezes o infográfico tem muita força, porque os dados são a base da reportagem, ou eu estou fazendo um apanhado de uma história, eu estou fazendo um resgate histórico de algo. Então, o que eu tenho que fazer é muito, e para isso eu preciso de espaço para que não fique aninhado, para que funcione, para que fique agradável de ler, que fique confortável e interessante.
Para fazer isso, eu tenho que conversar com o diagramador, com o editor, e dizer: “Olha, eu preciso de tal espaço aqui. Ah, mas eu tenho essa foto aqui também”. Aí, penso assim: “Mas essa foto é importante, será que ela pode ficar maior, será que ela pode ficar menor, será que ela pode entrar no meu infográfico?”, como uma imagem a mais que vai acrescentar, enfim, vai agregar mais valor a meu material, isso é uma coisa. A foto, a mesma coisa. Em alguns infográficos, alguns dos trabalhos que a gente faz, quando é de Esporte, por exemplo, a gente usa muita imagem. Um jogador, um embate de jogadores, uma comparação entre dois artilheiros de times diferentes, então você sempre articula esses outros discursos.
Diversos recursos artísticos, inclusive os infográficos, têm migrado para a mídia eletrônica com a popularização da internet. Qual a importância da infografia na web?
G. M. – A web, mais do que a web, o tablet, mesmo o smartphone, mais do que num jornal ou numa revista, primeiro, você tem essa coisa fugaz da internet. Você clica num link e vai para um outro lugar. Como é que você aprende a alguém, do começo ao fim, uma narrativa que você está construindo e que quer apresentar? Sendo o mais sucinto possível, e articulando isso, fazendo com que esses textos curtos, essas explicações, esse continuum de imagem e texto, vai fluindo, sendo confortável para a pessoa. Na internet, nos tablets ou nos smartphones, essa interação, essa coisa mais sucinta, mais condensada, e articulada de imagens e textos, funciona ainda melhor, porque você consome rápido aquela informação; ela é entendida rapidamente, e ela vai num continuum. Então, é uma nova leitura, é uma maneira nova de você ler as coisas. Funciona por conta disso, porque é curto e é preciso, no limite possível dessa exatidão.
Como anda o mercado de trabalho no ramo das artes e da infografia na imprensa?
G. M. – Esse é um mercado novo, é uma coisa que vem sendo construída. O infográfico é uma coisa muito mais rápida de ler e de entender. O jornal vive de rapidez, os veículos como um todo. Como é um jornal diário, quanto mais sucinto, mais vendido; se for narrado o fato, essa informação, mais atraente e mais rápido as coisas acontecem para o leitor. A área de infográfico tem crescido bastante, você tem muitos infografistas em muitos jornais, pequenos e grandes, apostando nisso, nesse tipo de narrativa. Eu não tenho dados para lhe dar, mas eu sei que cresce, cada vez que usa mais. Usa-se muita coisa também na internet, que é um ambiente superpropício para isso, você tem muitos infográficos, muitas coletâneas de informações desenhadas, que você pode ler, subindo a tela, é um continuum, sempre. Assim, é uma área em expansão, uma coisa que cresce muito. Revistas, que a depender do enfoque usam muito, as revistas de cunho científico, como a Superinteressante, usam bastante, a Galileu também usa muito. Então assim, é um mercado que cresce, que se expande, e tem essa sintaxe toda, da qual eu falei para você, que é muito particular, peculiar.

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