O Pelourinho visto de outro ângulo

Filme de 20 minutos, dirigido por Miguel Rio Branco, observa a rotina em zonas degradadas do famoso bairro de Salvador, e está sendo exposto na itinerância da 29ª Bienal até o dia 29, no MAM-BA

Em Nada levarei..., Rio Branco examina o lamentável cotidiano do famoso bairro do Centro Histórico de Salvador em corpos nus e em ruínas
(Foto: Miguel Rio Branco)

Locais degradados e obstruídos, onde se enxergam o mundanismo em sua realidade e em sua vivência rotineira, são referências para os primorosos filmes dirigidos por Miguel Rio Branco. O multiartista espanhol naturalizado brasileiro consta na lista de artistas participantes da itinerância 29ª Bienal de São Paulo - Obras Selecionadas (Salvador). Seu trabalho que está sendo exibido na mostra é um curta-metragem, ambientado em zonas deterioradas do Centro Histórico da capital baiana.

O filme, denominado Nada levarei quando morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno, gravado entre 1979 e 1981, consta de aproximadamente 20 minutos. Rio Branco observa, em sua fascinante criatura fílmica, o lacrimoso cotidiano no Pelourinho em corpos nus e em ruínas de construções do bairro. Imagens da convivência entre famílias, crianças, comerciantes, prostitutas, traficantes e demais habitantes da comunidade são edificadas a partir da justaposição de fragmentos fílmicos e musicais e de fotografias.

Com a intensidade, a concretude, a sensibilidade e a fragmentação variáveis peculiares, idênticas às de um diário, Nada levarei... é uma obra-prima sedutora e provocante, demonstrando a surpresa dos encontros casuais e da intimidade incentivada pela empatia entre observador e observado. Premiado nacional e internacionalmente, o curta, cujo singular panorama humanístico é fantástico, pode ser apreciado na itinerância da 29ª Bienal, no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), no Solar do Unhão, até o dia 29.

Obra de um multiartista

Diretor de cinema, pintor, fotógrafo e inventor de instalações multimídia, Miguel da Silva Paranhos do Rio Branco nasceu em Las Palmas de Gran Canaria, na Espanha, em 1946. A trajetória do exótico multiartista, filho de diplomata brasileiro, neto do desenhista e caricaturista carioca J. Carlos (1884-1950) e bisneto do Barão do Rio Branco (1845-1912), patrono da nossa diplomacia, teve começo prematuro, com uma exposição de pinturas em Berna, capital da Suíça, em 1964, aos 18 anos. Em 1966, frequentou os estudos fotográficos no New York Institute of Photography, nos Estados Unidos, e, dois anos depois, na Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha atualmente.

Rio Branco despertou sua vocação fotocinematográfica em 1969, em Nova York, atuando como fotógrafo e diretor de 7 filmes experimentais até 1981. Nesse lapso de tempo, prestou serviço a cineastas como Luís Carlos Góes, Júlio Bressane, Gilberto Loureiro e Otávio Bezerra como diretor de fotografia e operador de câmera. Dirigiu 14 curtas-metragens, fotografou 8 longas e atuou como fotógrafo documental, cujos trabalhos alcançaram magnitude em seu caráter poético.

Foi correspondente jornalístico da agência Magnum Photos, em Paris, entre 1978 e 1982, onde seus trabalhos, publicados mundialmente devido a suas fortes dimensões formais, ganharam mérito pelo emprego de cores saturadas. Rio Branco também forjou dois vídeos, incluindo o supracitado Nada levarei quando morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno. O vídeo foi agraciado com o prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Cinema de Brasília de 1981 e os Prêmios Especial do Júri e da Crítica Internacional no XI Festival Internacional de Documentários e Curtas de Lille, na França, no ano seguinte.

Comentários