Aos 50 anos, Brasília permanece moderna
Sobre o seco, desértico e inóspito cerrado, em pleno Planalto Central, uma cidade com traçados e construções futuristas foi erguida. Lotada de edificações destinadas ao poder público federal, o que era utopia durante mais de quatro séculos tornou-se efetivamente uma realidade. É nessa planejada e agradável cidade onde o presente e o futuro do Brasil são decididos através de negociações políticas, sociais, econômicas e culturais, além das participações populares.
Brasília completou, nesta quarta-feira, 50 anos de existência com uma série de comemorações especiais, num momento importantíssimo para a nossa História. A capital federal, com estilos urbanos e arquitetônicos pós-modernos, começou a ser construída numa gigantesca área onde havia somente vegetação típica do Centro-Oeste. Eram matas de cerrado puro, adaptadas ao extravagante clima tropical semiúmido, com inverno seco e verão chuvoso. Com o passar do tempo, uma quase-metrópole invadiu esse espaço natural.
A transferência do centro das decisões nacionais para o interior foi pensada desde o Período Colonial. Durante a Inconfidência Mineira, cujo líder, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, surgiu a ideia de que a capital do Brasil fosse São João del Rei, onde explodiu o movimento. Tiradentes, mártir da Inconfidência, foi enforcado e esquartejado em praça pública, em 1792, coincidentemente no dia 21 de abril. A principal causa de sua execução foram as lutas pela liberdade através da divulgação dos ideais iluministas na então capitania das Minas Gerais.
Pouco depois, em 1813, o jornalista brasileiro Hipólito José da Costa, exilado em Londres, defendeu ardorosamente a fundação de Brasília através do seu jornal Correio Braziliense. Quase um século se passou após sucessivas indefinições na escolha de um local ideal para o surgimento da Capital da Esperança, ainda uma quimera. A decisão de construí-la num ambiente explicitamente solitário nasceu com a promulgação da primeira Constituição republicana, em 1891. Em um ano, a Comissão Exploradora do Planalto Central demarcou um quadrilátero para, enfim, erguer a cidade.
O então presidente Epitácio Pessoa lançou, durante as comemorações do Centenário da Independência, em 7 de setembro de 1922, a pedra fundamental referente à construção da nova capital, no município goiano de Planaltina. Nas Constituições de 1934 e 1946, foi cuidadosamente preservada a secular ideia da sua mudança para o Planalto (a Carta de 1937, vigente no período do Estado Novo, a ditadura fascista de Getúlio Vargas, abortou a possibilidade).
Durante um comício realizado em Jataí, também em Goiás, em abril de 1955, um veterano político mineiro, definitivamente, concretizou a antiga ambição de transferir a sede do poder brasileiro, então instalada no Rio de Janeiro, para os mais distantes rincões do nosso vasto território. Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), mais conhecido pela brilhante sigla JK, estava iniciando sua emocionante campanha que o levou à Presidência com uma de suas promessas fundamentais, o desenvolvimento do interior do país. A fundação de Brasília estava embutida nesse projeto.
JK havia sido deputado estadual e federal, prefeito nomeado de Belo Horizonte durante o Estado Novo e governador de Minas. Eleito presidente em outubro de 1955, foi solenemente empossado em 31 de janeiro do ano seguinte, cumprindo firmemente sua promessa de construir o novo centro das decisões através da Carta de 1946. Para alcançar essa finalidade, JK sancionou, em setembro de 1956, a Lei nº 2.874, que fundou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), chefiada por seu fiel amigo Israel Pinheiro.
Um arquiteto e urbanista brasileiro de renome mundial, Lúcio Costa (1902-1998), idealizou um excêntrico e vanguardista planejamento urbano, intitulado Plano Piloto. Seu nome é uma alusão ao formato de avião, dando à cidade um aspecto extremamente inovador. O Plano Piloto foi vencedor de um concurso nacional de projetos para que Brasília começasse a sair do papel. Com o objetivo de desenhar seus principais edifícios, o experiente arquiteto Oscar Niemeyer, com seus traços e curvas criativamente contemporâneos e também reconhecido internacionalmente, foi escalado.
Companheiro de longa data de JK desde a Prefeitura de Belo Horizonte, Niemeyer, hoje aos 102 anos e com uma extraordinária longevidade, foi um dos responsáveis pela maravilhosa introdução de formas geométricas nas construções, tornando-as simples e funcionais. As edificações que ele inventou para o Plano Piloto tiveram suas obras iniciadas em fevereiro de 1957. No momento da sua construção, os 3 mil operários contratados se autointitularam candangos, que mais tarde viraram sinônimo de brasilienses. Enquanto isso, na periferia, foram levantadas casas desmontáveis, dando origem às atuais cidades-satélites.
As obras seguiram-se em ritmo acelerado, no tempo recorde de três anos e oito meses. Residência oficial do presidente, o Palácio da Alvorada foi um dos edifícios a serem concluídos, em 1958. Um ano antes, já haviam sido aprontados o Catetinho, o popular "palácio de tábuas", local provisório de trabalho de JK; e a Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, primeiro templo da nova capital federal. No entanto, o Palácio do Planalto, os prédios ministeriais, o Congresso Nacional, o Palácio da Justiça e outros arrojados projetos de Niemeyer ainda não estavam concluídos.
Inaugurada festivamente em 21 de abril – dia de Tiradentes – de 1960, sob uma sequência de fogos de artifício, Brasília já nasceu grandiosa, com a instalação simultânea dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e de todos os serviços necessários. A nova capital do Brasil, nos anos seguintes, foi palco de grandes manifestações que contribuíram para modificar os rumos da nossa política. A posse de doze presidentes, a derrubada de um deles, o golpe militar, a campanha pelas diretas-já, as passeatas trabalhistas...
Recentemente, um novo governador foi eleito indiretamente pelos deputados distritais em razão do suposto envolvimento do titular original, José Roberto Arruda, e de seu vice, Paulo Octávio, em denúncias de corrupção. Escolhido para administrar o Distrito Federal, Rogério Rosso (PMDB) foi empossado imediatamente para um mandato-tampão de oito meses. O atual governador brasiliense foi um nome de consenso, apresentado ao lado de outros candidatos de vários partidos.
Mas o centro político-administrativo federal não vive apenas de política. Possui dezenas de primorosos monumentos, espaços culturais – teatros, museus, bibliotecas, cinemas, entre outros –, de centros comerciais, de entretenimento e de lazer. Por ser planejada, é uma cidade ecológica, com total respeito ao meio ambiente, sendo cercada de muito verde por todos os cantos. Na década de 80, fez nascer um enorme número de grupos que se transformou no maior reduto do rock nacional fora do eixo Rio-São Paulo, como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Suas letras têm um cunho essencialmente sociopolítico, denunciando a situação que o Brasil vivia naquele período.
A contemporânea e futurística capital do país, apesar de ser cinquentenária, foi declarada patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1987. Pessoas vindas de regiões heterogêneas se encontram cordialmente em Brasília, uma cidade com sotaque ainda indefinido oficialmente devido a seu intenso mosaico de diferentes culturas. Mesmo incomodada politicamente, ela, de qualquer forma, sempre foi a Capital da Esperança, que há meio século é um retrato vivo e permanente do nosso cotidiano.
Brasília completou, nesta quarta-feira, 50 anos de existência com uma série de comemorações especiais, num momento importantíssimo para a nossa História. A capital federal, com estilos urbanos e arquitetônicos pós-modernos, começou a ser construída numa gigantesca área onde havia somente vegetação típica do Centro-Oeste. Eram matas de cerrado puro, adaptadas ao extravagante clima tropical semiúmido, com inverno seco e verão chuvoso. Com o passar do tempo, uma quase-metrópole invadiu esse espaço natural.
A transferência do centro das decisões nacionais para o interior foi pensada desde o Período Colonial. Durante a Inconfidência Mineira, cujo líder, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, surgiu a ideia de que a capital do Brasil fosse São João del Rei, onde explodiu o movimento. Tiradentes, mártir da Inconfidência, foi enforcado e esquartejado em praça pública, em 1792, coincidentemente no dia 21 de abril. A principal causa de sua execução foram as lutas pela liberdade através da divulgação dos ideais iluministas na então capitania das Minas Gerais.
Pouco depois, em 1813, o jornalista brasileiro Hipólito José da Costa, exilado em Londres, defendeu ardorosamente a fundação de Brasília através do seu jornal Correio Braziliense. Quase um século se passou após sucessivas indefinições na escolha de um local ideal para o surgimento da Capital da Esperança, ainda uma quimera. A decisão de construí-la num ambiente explicitamente solitário nasceu com a promulgação da primeira Constituição republicana, em 1891. Em um ano, a Comissão Exploradora do Planalto Central demarcou um quadrilátero para, enfim, erguer a cidade.
O então presidente Epitácio Pessoa lançou, durante as comemorações do Centenário da Independência, em 7 de setembro de 1922, a pedra fundamental referente à construção da nova capital, no município goiano de Planaltina. Nas Constituições de 1934 e 1946, foi cuidadosamente preservada a secular ideia da sua mudança para o Planalto (a Carta de 1937, vigente no período do Estado Novo, a ditadura fascista de Getúlio Vargas, abortou a possibilidade).
Durante um comício realizado em Jataí, também em Goiás, em abril de 1955, um veterano político mineiro, definitivamente, concretizou a antiga ambição de transferir a sede do poder brasileiro, então instalada no Rio de Janeiro, para os mais distantes rincões do nosso vasto território. Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), mais conhecido pela brilhante sigla JK, estava iniciando sua emocionante campanha que o levou à Presidência com uma de suas promessas fundamentais, o desenvolvimento do interior do país. A fundação de Brasília estava embutida nesse projeto.
JK havia sido deputado estadual e federal, prefeito nomeado de Belo Horizonte durante o Estado Novo e governador de Minas. Eleito presidente em outubro de 1955, foi solenemente empossado em 31 de janeiro do ano seguinte, cumprindo firmemente sua promessa de construir o novo centro das decisões através da Carta de 1946. Para alcançar essa finalidade, JK sancionou, em setembro de 1956, a Lei nº 2.874, que fundou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), chefiada por seu fiel amigo Israel Pinheiro.
Um arquiteto e urbanista brasileiro de renome mundial, Lúcio Costa (1902-1998), idealizou um excêntrico e vanguardista planejamento urbano, intitulado Plano Piloto. Seu nome é uma alusão ao formato de avião, dando à cidade um aspecto extremamente inovador. O Plano Piloto foi vencedor de um concurso nacional de projetos para que Brasília começasse a sair do papel. Com o objetivo de desenhar seus principais edifícios, o experiente arquiteto Oscar Niemeyer, com seus traços e curvas criativamente contemporâneos e também reconhecido internacionalmente, foi escalado.
Companheiro de longa data de JK desde a Prefeitura de Belo Horizonte, Niemeyer, hoje aos 102 anos e com uma extraordinária longevidade, foi um dos responsáveis pela maravilhosa introdução de formas geométricas nas construções, tornando-as simples e funcionais. As edificações que ele inventou para o Plano Piloto tiveram suas obras iniciadas em fevereiro de 1957. No momento da sua construção, os 3 mil operários contratados se autointitularam candangos, que mais tarde viraram sinônimo de brasilienses. Enquanto isso, na periferia, foram levantadas casas desmontáveis, dando origem às atuais cidades-satélites.
As obras seguiram-se em ritmo acelerado, no tempo recorde de três anos e oito meses. Residência oficial do presidente, o Palácio da Alvorada foi um dos edifícios a serem concluídos, em 1958. Um ano antes, já haviam sido aprontados o Catetinho, o popular "palácio de tábuas", local provisório de trabalho de JK; e a Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, primeiro templo da nova capital federal. No entanto, o Palácio do Planalto, os prédios ministeriais, o Congresso Nacional, o Palácio da Justiça e outros arrojados projetos de Niemeyer ainda não estavam concluídos.
Inaugurada festivamente em 21 de abril – dia de Tiradentes – de 1960, sob uma sequência de fogos de artifício, Brasília já nasceu grandiosa, com a instalação simultânea dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e de todos os serviços necessários. A nova capital do Brasil, nos anos seguintes, foi palco de grandes manifestações que contribuíram para modificar os rumos da nossa política. A posse de doze presidentes, a derrubada de um deles, o golpe militar, a campanha pelas diretas-já, as passeatas trabalhistas...
Recentemente, um novo governador foi eleito indiretamente pelos deputados distritais em razão do suposto envolvimento do titular original, José Roberto Arruda, e de seu vice, Paulo Octávio, em denúncias de corrupção. Escolhido para administrar o Distrito Federal, Rogério Rosso (PMDB) foi empossado imediatamente para um mandato-tampão de oito meses. O atual governador brasiliense foi um nome de consenso, apresentado ao lado de outros candidatos de vários partidos.
Mas o centro político-administrativo federal não vive apenas de política. Possui dezenas de primorosos monumentos, espaços culturais – teatros, museus, bibliotecas, cinemas, entre outros –, de centros comerciais, de entretenimento e de lazer. Por ser planejada, é uma cidade ecológica, com total respeito ao meio ambiente, sendo cercada de muito verde por todos os cantos. Na década de 80, fez nascer um enorme número de grupos que se transformou no maior reduto do rock nacional fora do eixo Rio-São Paulo, como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Suas letras têm um cunho essencialmente sociopolítico, denunciando a situação que o Brasil vivia naquele período.
A contemporânea e futurística capital do país, apesar de ser cinquentenária, foi declarada patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1987. Pessoas vindas de regiões heterogêneas se encontram cordialmente em Brasília, uma cidade com sotaque ainda indefinido oficialmente devido a seu intenso mosaico de diferentes culturas. Mesmo incomodada politicamente, ela, de qualquer forma, sempre foi a Capital da Esperança, que há meio século é um retrato vivo e permanente do nosso cotidiano.
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