Escravidão contemporânea, um dilema brasileiro

Hugo Gonçalves, jornalista (SRTE/BA 4507)

Salvador, 26 de março de 2023

Atualizado em 28 de março de 2023, às 10h35

 

Só no Rio Grande do Sul, houve o recente resgate de mais de 200 pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo nas vinícolas, em sua maioria vindas da Bahia
Arquivo pessoal


Problema crônico recorrente no Brasil inteiro, o trabalho análogo à escravidão, de perto, nos faz reverberar um passado dolorido. Tal fenômeno, que ainda se manifesta País afora, faz com que os trabalhadores sujeitos a condições arcaicas e desoladoras estejam privados de certos direitos e benefícios que os tornariam cidadãos conscientes. Mesmo em pleno século XXI, vários empregados continuam sendo resgatados sob um degradante regime que macula seriamente o basilar princípio da dignidade humana.

Também conhecido como escravidão ou servidão contemporânea, o labor praticado em condições similares às de escravo consiste em um conjunto de fatores humilhantes que prejudicam a vida, a segurança e a dignidade das pessoas – seja individualmente ou em grupo –, convertendo-as em “mercadorias” para fins de exploração por outrem. Entre esses fatores, pode-se mencionar a submissão dos trabalhadores a jornadas exaustivas, tarefas forçadas e violência brutal pelos exploradores de mão de obra, que também lhes impõem óbices restritivos aos direitos e garantias essenciais (deslocamento, alojamento, alimentação, etc.).

Milhares de indivíduos ainda exercem suas atividades em situações subumanas, entre outros motivos, devido à escassez de profissionais capacitados para fiscalizá-las e coibi-las. Uma evidência disso é que, no ano passado, 2.575 trabalhadores foram resgatados como escravos em 432 operações, de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Ademais, só no estado do Rio Grande do Sul, houve o recente resgate de um contingente superior a 200 pessoas atuando em condições barbaramente servis nas principais vinícolas da Serra Gaúcha, em sua maioria provenientes daqui da Bahia.

Como o trabalho análogo à escravidão implica um dilema histórico, ele vem se perpetuando nas nossas estruturas sociais, embora a servidão brasileira tenha, apenas simbolicamente, abolido há quase 135 anos. Porém, essa chaga secular poderá ser equacionada, sobretudo, mediante contratações de agentes de fiscalização via concurso público, visando a impedir novas ocorrências que violem a liberdade e a dignidade das pessoas. Desse modo, elas terão a oportunidade de suas condições de seres humanos, imbuídos de perspectivas decentes e justas, serem restituídas.

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