Sete pontas literárias

Fruto da confluência entre dois elementos aparentemente distintos - o jornalismo e a literatura -, o jornalismo literário teve como aspecto introdutório a veiculação de gêneros literários na imprensa, entre o final do século XVIII e o início do século seguinte, considerada a época das luzes, do Iluminismo, do liberalismo, das turbulentas revoluções que moldaram o mundo. Essa mutante contextualização propiciou que escritores de elevado mérito tomassem a dianteira dos jornais e das revistas e determinassem sua linguagem, seu conteúdo e seus parâmetros informativos, em um cenário de deficiência econômica.

Após àquele período embrionário, cujos estigmas primitivos foram os folhetins e suplementos de literatura, a integração da práxis jornalística com os preceitos literários ganhou impulso no decorrer do século passado. O professor Felipe Pena, da Universidade Federal Fluminense (UFF), também doutor em Literatura, num artigo elucidativo acerca da conceituação do jornalismo literário, delineia sete peculiaridades básicas que lhe permitem uma larga e precisa compreensão. Como esclarece o docente, o referido universo é rotulado como uma "estrela de sete pontas", num sentido figurativo.

"Estrela de sete pontas" refere-se exatamente ao conjunto de sete elementos imprescindíveis para singularizar uma modalidade tão heterogênea, que não se restringe só às redações ou à influência narrativa de um livro-reportagem. Em concomitância com essa premissa, Pena enumerou sete características, que reproduzo neste artigo: potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercitar plenamente a cidadania, romper com as correntes do lide, evitar os definidores primários e garantir perenidade e profundidade aos relatos.

Potencializar, impulsionar e dinamizar os recursos do jornalismo, a "ponta" pioneira, significa, para os jornalistas literários, não ignorar o que eles já aprenderam no jornalismo diário. Representa, portanto, o desenvolvimento contínuo de técnicas e artifícios narrativos, formulando novas estratégias profissionais, sintonizadas com as primorosas e antigas qualidades redacionais, podendo ser mencionadas, por exemplo, o rigor na apuração dos textos, a observação atenta, a abordagem ética e a capacidade de se expressar com absoluta clareza.

A segunda "ponta" ou peculiaridade secundária consiste em ultrapassar as barreiras dos acontecimentos cotidianos. Quer dizer que o jornalista rompe definitivamente com a periodicidade e a atualidade, duas marcas clássicas do jornalismo contemporâneo; o profissional não está mais restrito ao pomposo deadline, o prazo de entrega das reportagens às redações, ou à vontade do leitor em compreender os fatos que aconteceram num arbitrário espaço temporal.

Nos dirigimos, então, à terceira característica do jornalismo literário: proporcionar uma visão ampla da realidade, contextualizando a informação da forma mais abrangente possível. Para alcançar tal visão, é preciso dissecar as informações, relacioná-las com outros fatos e outras perspectivas e situá-las num certo período. O pleno exercício da cidadania, quarta "ponta" da "estrela", é um aspecto indelével para o jornalista, visando, de acordo com Felipe Pena, conferir-lhe o seu autêntico, soberano e majestoso compromisso com a sociedade e, em consequência, contribuir para a formação do cidadão.

Em quinto lugar, recomenda-se quebrar as correntes burocráticas do lide (do inglês lead), fórmula narrativa idealizada por jornalistas estadunidenses no início do século XX, a fim de tornar a imprensa objetiva, equivalente às respostas, incluídas no primeiro parágrafo de uma matéria, e embasadas nas seis interrogações básicas, a saber: "O quê?" (corresponde ao fato), "Quando?" (tempo), "Onde?" (espaço), "Quem?" (personagem envolvido), "Como?" (modo) e "Por quê?" (causa). A despeito de a subjetividade não ter diminuído, o lide tornou o jornalismo mais ágil, mais objetivo e menos prolixo. Fugir do lide, logo, se traduz em aplicar estratégias literárias de construção narrativa, com criatividade, estilo e elegância.

Sexta "ponta" de uma "estrela" complexa autoproclamada jornalismo literário, evitar os definidores primários, ou fontes oficiais, corresponde, como escreveu Pena, em ouvir necessariamente o cidadão comum, a fonte anônima e os diversos pontos de vista que nunca foram abordados. Conceitua-se definidores primários como aqueles indivíduos que ocupam algum cargo público (governadores, prefeitos, ministros, deputados, etc.), ou alguma função específica (médicos, advogados, músicos, etc.), por conseguinte aparecem na imprensa com assiduidade.

Termina-se o conjunto das sete características essenciais com a perenidade e a profundidade das obras alicerçadas nos princípios da articulação do jornalismo com a literatura. Ao contrário das matérias que demonstram e espelham o cotidiano, a maioria efêmeras, relegadas ao esquecimento no dia seguinte e superficiais, o jornalismo literário tem como um dos propósitos cruciais a busca pela durabilidade, exemplificada pelo simples fato de um bom livro permanecer por gerações, influindo nos imaginários da individualidade e da coletividade em contextos históricos claramente díspares.

Referência

PENA, Felipe. O jornalismo literário como gênero e conceito. Niterói (RJ): Universidade Federal Fluminense (UFF), s/d.

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