Brizola: esquerdista polêmico

Um dos principais líderes da esquerda brasileira, Leonel de Moura Brizola (1922-2004) caracterizou-se por seu lado polêmico, sendo constantemente criticado pela grande imprensa, em particular as Organizações Globo. Quando ele faleceu, seu partido, o PDT, fazia oposição sistemática ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, durante o velório, os militantes da legenda trabalhista o chamaram de “traidor”.

Veja, a seguir, um corajoso e impactante discurso que Brizola pronunciou, dirigido ao nosso povo, durante o horário político da sua campanha eleitoral de 1994, quando ele concorreu à Presidência pela segunda vez. O resultado final daquele pleito, cujo vencedor, graças à euforia do Plano Real, era Fernando Henrique Cardoso (PSDB), indicava que ele, infelizmente, estava num constrangedor quinto lugar. No discurso abaixo, Brizola atacou, com veemência, o plano econômico que garantiu a vitória do seu mentor, dizendo que nossa economia estava sendo manipulada.

"Povo brasileiro, venho de uma família humilde do nosso interior. Abri meus caminhos lutando sempre ao lado do povo. Sofri 15 anos de exílio (1) sem renegar minhas convicções. Enfrentei e venci de armas na mão em 61 o golpe (2) contra a democracia. Só ocupei cargos pelo voto. Governei três vezes grandes estados (3). Jamais persegui ninguém. Sou o único político que tem a coragem de denunciar o monopólio da Globo. Vencer ou perder para mim não é novidade. Sempre travei-o com combate. E não cheguei aos 72 anos para ser um covarde ou oportunista. Não cabe, pois, nesta hora meias palavras.
Estas eleições se tornaram uma grande farsa. Impediram até o debate entre os candidatos. O que querem mesmo é garrotear o nosso país e entregá-lo indefeso ao poder econômico internacional. O Plano Real (4) é um golpe eleitoreiro, tudo para te enganar, meu irmão e minha irmã. O Real é tão inviável quanto foi o Cruzado (5), pois não defende a nossa economia da espoliação internacional, verdadeira causa, que é, da inflação. Depois das eleições, pouco eles importam que a inflação volte. Forças econômicas daqui e de fora tutelam o governo, a imprensa, o rádio, a televisão e as pesquisas. Formaram uma espécie de partido único para encobrir a manipulação da economia e fabricar um candidato como Fernando Henrique (6). Posse da casta dominante e aos interesses internacionais. Por outro lado, é triste o papel de Lula, que está aí para perder e dar uma aparência limpa à vitória da sujeira do dinheiro e do poder. Denuncio, pois, com veemência. Estas eleições estão viciadas pela intervenção do governo e do poder econômico. O candidato oficial está sendo imposto à nação através de manipulações entreguistas e antidemocráticas.
Minha candidatura e a de Darcy Ribeiro (7) desafiam a todos os vendilhões do Brasil. Marcar o nome de Leonel Brizola na cédula eleitoral significa um não a tudo isto, e um verdadeiro confronto no segundo turno (8). Só o voto direto e secreto terá condições de deter essa avalanche que desaba sobre o povo brasileiro. Que Deus proteja o nosso país."

Notas

(1) Leonel Brizola permaneceu exilado entre maio de 1964 e setembro de 1979, estando no Uruguai (1964-1977) e nos Estados Unidos (1977-1979). Durante esse período em que esteve fora do Brasil, Brizola também simpatizou-se com a social-democracia europeia, na qual ele tinha vários amigos.

(2) Após a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, os militares conspiravam contra a posse do então vice-presidente João Goulart (Jango), que encontrava-se em missão oficial à China comunista. Brizola, cunhado de Jango e à época governador do Rio Grande do Sul, seu estado natal, liderou a Cadeia da Legalidade, formada por todas as estações de rádio do estado (exceto a Rádio Guaíba), para defender a posse constitucional do vice-presidente. O governo federal, naquele momento, estava entregue a Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. Jango foi empossado em 7 de setembro sob o sistema parlamentarista, alternativa encontrada para amenizar os conflitos entre Jango e os militares. Após três gabinetes parlamentaristas, Jango passou a ter plenos poderes através de um plebiscito realizado em 3 de janeiro de 1963, no qual o presidencialismo voltou a ser o sistema de governo do Brasil.

(3) Brizola governou o Rio Grande do Sul por uma vez, pelo antigo PTB (1959-1962) e o Rio de Janeiro por duas vezes, pelo PDT (1983-1987 e 1991-1994).

(4) O Plano Real é um plano econômico implantado entre 1993 e 1994, no governo do então presidente Itamar Franco, tendo como ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Visava controlar a inflação, criando uma nova moeda, o real, que entrou em circulação a partir de 1º de julho de 1994; e promovendo uma maior abertura ao capital privado, principalmente estrangeiro, com a liberação de importações e a intensificação das privatizações. Para seus adversários, o plano tinha caráter eleitoreiro, pois favorecia a vitória de FHC à Presidência naquele ano, logo no primeiro turno.

(5) O Plano Cruzado foi um plano de estabilização econômica, anunciado em 28 de fevereiro de 1986 pelo então presidente José Sarney, tendo como ministro da Fazenda Dílson Funaro. Foi a primeira tentativa de combater a inflação, só que de maneira artificial, após a redemocratização. Mudava a moeda de cruzeiro para cruzado (Cz$ 1 = Cr$ 1000), congelava preços e salários por tempo indeterminado e incentivava o consumo de produtos em todo o país. Logo após as eleições de 15 de novembro daquele ano, nas quais o PMDB, favorecido pelo sucesso do Plano Cruzado, elegeu os governadores de todos os estados brasileiros (exceto Sergipe) e a maioria dos parlamentares para a Assembleia Nacional Constituinte, a inflação voltou a subir.

(6) Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, então senador (PSDB-SP) e ex-ministro da Fazenda, sendo um dos mentores do Plano Real, foi eleito presidente no primeiro turno, em 3 de outubro de 1994, pela coligação União, Trabalho e Progresso (PSDB-PFL-PTB), tendo como vice o pernambucano Marco Maciel (PFL, hoje senador pelo DEM). Ele derrotou o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 55% dos votos, graças ao sucesso popular do plano econômico que conseguiu acabar com a inflação.

(7) Darcy Ribeiro (1922-1997) era antropólogo, professor, ex-ministro da Educação e da Casa Civil do governo João Goulart, vice-governador do Rio de Janeiro (1983-1987), secretário da Educação do Rio de Janeiro (1983-1986) e senador (1991-1997). Foi ele quem idealizou a Universidade de Brasília (UnB), em 1961; e os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), escolas de tempo integral voltadas às crianças carentes, durante o primeiro governo de Brizola no Rio. Ambos os projetos revolucionaram o ensino público no país. Em 1994, Darcy candidatou-se à vice-presidência na chapa de Brizola.

(8) Brizola perdeu logo no primeiro turno nos dois pleitos em que disputou, tanto em 1989, ficando em terceiro lugar, atrás de Fernando Collor de Mello (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que conseguiram chegar ao segundo turno; quanto em 1994, ficando em quinto lugar, atrás de FHC, de Lula, do cardiologista Enéas Carneiro (“Meu nome é Enéééas!”) (Prona) e do ex-governador paulista Orestes Quércia (PMDB). E em 1998, se lançou candidato a vice-presidente numa aliança de esquerda encabeçada por Lula, e ficou em segundo lugar, atrás da chapa FHC-Maciel, que acabou sendo reeleita para mais quatro anos de mandato.

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