Palestra sobre precarização do trabalho marca III Encontro de Temporários do IBGE na Bahia
Terceira edição do evento, que
reuniu diversos servidores do órgão no estado, em sua maioria
temporários, recebeu especialista para discutir as transformações
no mundo do trabalho e suas consequências
Texto, fotos e tratamento de imagens: Hugo Gonçalves
Segundo
Graça Druck, a dinâmica do trabalho na contemporaneidade está
centrada na flexibilização e precarização, que assumem novas
dimensões e configurações
Uma
palestra que discutiu a temática da precarização das condições
de trabalho e eleições de representantes estaduais em evento
nacional da categoria deram a tônica do III Encontro Estadual dos
Trabalhadores Temporários do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) na Bahia, que congregou 28 servidores temporários
do órgão – conhecidos como Agentes de Pesquisa e Mapeamento
(APMs) – oriundos de diversos municípios baianos, além de alguns
integrantes sindicalizados do quadro efetivo.
Promovido
entre a manhã e a tarde do último dia 14 pelo Sindicato Nacional de
Trabalhadores do IBGE (Assibge), através do seu Núcleo Dipeq-BA,
em sua sede no bairro do Comércio, em Salvador, o evento teve as
suas atividades iniciadas com uma rápida sessão terapêutica,
conduzida pela massoterapeuta Sandra Costa Neves de Almeida,
servidora aposentada do IBGE.
Em
seguida, veio o ponto culminante do encontro representativo. A
professora titular da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
(FFCH), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Graça Druck,
ministrou a palestra “Precarização social do trabalho no mundo
contemporâneo”, cujo objetivo foi proporcionar aos ibgeanos
presentes a oportunidade de se informar, refletir e questionar acerca
das transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho nas
últimas décadas, bem como suas consequências.
Tais
transformações, de acordo com Graça, que também é pesquisadora
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e da própria Ufba, na área de Sociologia do Trabalho, são
marcadas centralmente por dois fenômenos – a flexibilização e a
precarização –, que se metamorfoseiam e adquirem novas dimensões
e configurações. Na avaliação da docente, há uma diferença
conceitual entre precariedade e precarização, sendo que a primeira
se trata de uma condição enraizada desde os primórdios do
capitalismo.
“O
sistema capitalista tem na sua dinâmica de funcionamento a
precariedade como elemento-chave na relação com o trabalho, desde a
Revolução Industrial até os dias de hoje. Só que ela foi se
reconfigurando historicamente e se transformando, inclusive como
fruto da própria luta e de conquistas dos trabalhadores”, afirmou,
acrescentando que existiram diferentes processos de precarização
dentro da História, “porque essa precariedade, que é inerente ao
capitalismo, vai se transformando e se reconfigurando.”
Nova
precarização gera “instabilidade, insegurança e uma grande
fragmentação dos coletivos de trabalho”, afirma especialista
“A
nova precarização se institucionalizou”
Graça
Druck explicou que a nova precarização é definida como um processo
que favorece a institucionalização, nas esferas social, econômica
e política, da flexibilização e da precarização modernas do
trabalho, tendo como propósito a reconfiguração da precarização
histórica e estrutural da atividade laboral no Brasil (confira
no final desta reportagem).
“O
caráter da nova precarização, nesse processo, é porque tem hoje
uma situação que passa a ser quase institucionalizada. Se
institucionalizou, ou seja, naturalizou. A forma é essa do
capitalismo, que assim se desenvolveu; é a precariedade, não tem
outra. Isso, evidentemente, desestimula as pessoas a lutar, não
acreditam que é possível ter forças para lutar, e assim por
diante. Por isso, também é uma forma de dominação”, analisou.
Em
termos de conteúdo, essa precarização, segundo a pesquisadora,
gera “muita instabilidade – as pessoas vivem (em condições)
instáveis –, muita insegurança, uma grande fragmentação dos
coletivos de trabalho, que individualiza absolutamente tudo, tem uma
brutal concorrência entre os trabalhadores. Quando tem metas, então,
há uma disputa pelo emprego, pelo lugar, na progressão. Há uma
disputa permanente entre os próprios trabalhadores.”
Comportamento
flexível
No
que tange à flexibilização, Graça afirmou que, por intermédio
dela, novas qualidades e comportamentos são exigidos dos
trabalhadores – adaptabilidade, agilidade, habilidade para mudanças
e empregabilidade. Essa estratégia produz, enfim, um comportamento
flexível, alicerçado na construção de um “novo tipo de
trabalhador”, tendo como característica basilar a efemeridade ou o
curto prazo em seu trabalho, em sua qualificação e em seu emprego.
A
palestrante elencou ainda os principais métodos que ocasionam a
flexibilização no mundo do trabalho. Nessa perspectiva, ela pode se
manifestar através de mecanismos introduzidos nas formas de contrato
(por tempo determinado ou temporário, parcial, por empreita e por
prestação de serviços), na jornada de trabalho (banco de horas),
na própria função (polivalência e multifuncionalidade), na
remuneração (participação nos lucros e resultados, premiações e
bônus por produtividade), e também pela automação –
substituição da mão de obra humana por robôs e inteligência artificial –, informatização, terceirização e
subcontratação.
Tanto
a precarização quanto a flexibilização são frutos de uma
conjuntura tipicamente neoliberal, presente sob os pontos de vista
cultural, político e ideológico, que, segundo Graça, consiste na
lógica de responsabilizar o indivíduo como o único responsável
pelo seu sucesso.
“Então,
o empreendedorismo tem sido usado como elemento-chave de solução
para a crise do emprego no país. Para resolvê-la, você precisa ser
empreendedor e mostrar as suas qualidades e competências;
impera sobre esse tipo a ‘ditadura do sucesso’, como se você
fosse o único responsável pelo sucesso ou insucesso”, justificou
a professora da Ufba, salientando que as pessoas que não obtêm
êxito e, consequentemente, adoecem e se sentem incompetentes,
integram, de modo geral, o grupo majoritário das condições dos trabalhadores.
“Esse
grau de individualismo que se constituiu, que é típico do
neoliberalismo, é desagregador: ele adoece, desmantela e é
perverso. E é um dos elementos centrais, hoje, de todas as
discussões e formulações que nós estamos vivendo”, concluiu.
De
acordo com a docente, o neoliberalismo não se confina apenas a um
projeto econômico, mas também criou uma nova racionalidade,
traduzida na “mercantilização” da vida. Portanto, o indivíduo
passa a se comportar como empresa. Nesta era neoliberal, na opinião
de Graça Druck, os valores do individualismo, absolutamente, se
aplicam a todos.
Para
que os servidores do IBGE pudessem refletir e pensar sobre este atual
cenário, ela parafraseou uma citação atribuída ao sociólogo
francês Pierre Bourdieu: “No contexto dos últimos vinte anos, a
mundialização do capital sob a hegemonia do capital financeiro e as
políticas neoliberais se retroalimentaram, tornando a precarização
um fenômeno central que se generaliza ‘por toda a parte’, como
uma estratégia de domínio econômico, político e cultural, produto
de uma vontade política e não de uma ‘fatalidade econômica’,
determinada pelo mercado.”
Atividades
do Encontro Estadual de Temporários do IBGE terminaram com eleições
de representantes da Bahia no II Encontro Nacional da categoria, que
será na próxima semana, no Rio
Reivindicações
e eleições
Após
uma breve pausa para o almoço, as atividades do III Encontro foram
retomadas, e os APMs lotados no estado da Bahia formaram dois
grupos distintos, com o intuito de debater as condições de trabalho
e a pauta de reivindicações da categoria, manifestadas em
congressos da Assibge-Sindicato Nacional, realizados nos anos de 2008
e 2016.
Entre
as exigências dos ibgeanos que atuam sob o regime da Lei nº
8.745/1993 estão a equiparação dos seus salários ao inicial da
carreira de nível intermediário; o recebimento da indenização de
campo e do auxílio-saúde, benefícios já garantidos aos efetivos,
além do seguro de vida; uma pontuação para os candidatos ao
concurso público que trabalham ou já trabalharam no IBGE como
temporários; extinção dos processos seletivos simplificados para
contratação temporária, para que as vagas devam ser ocupadas
mediante concurso público; criação de uma ouvidoria para apurar
denúncias dos servidores; igualdade de benefícios e direitos entre
efetivos e temporários e aquisição de materiais para trabalho de
campo, além de equipamentos de proteção individual (EPIs).
Nos
instantes que precederam o encerramento do evento, foram eleitos os
membros da representação baiana no II Encontro Nacional dos
Trabalhadores Temporários do IBGE, a ser realizado entre os dias 27
e 29 deste mês, na cidade do Rio de Janeiro. Três chapas disputaram
a votação, mas a vitoriosa foi constituída pelos titulares Carla
Daiane Sousa, Larissa Figueiredo e Rafael Amorim, da Agência
Salvador I, e Danilo Matos, de Itapetinga, representando as agências
do interior. A suplência coube a Rodrigo Sampaio, também lotado na
Agência Salvador I.
Os
titulares da chapa vencedora, da esquerda para a direita: Rafael
Amorim e Larissa Figueiredo (em pé) e Carla Daiane Sousa (sentada)
O
suplente: Rodrigo Sampaio, APM da Agência Salvador I
Indicadores
de um fenômeno complexo
Entre
as principais evidências da precarização do trabalho enquanto
processo dinâmico e central do capitalismo moderno no Brasil, a
professora da FFCH/Ufba e pesquisadora de Sociologia do Trabalho,
Graça Druck, expôs, durante a sua palestra, algumas delas,
enumeradas a seguir:
-
Atinge tanto as regiões mais desenvolvidas do país, a exemplo de São Paulo, como as regiões mais tradicionalmente caracterizadas pela precariedade, com destaque para o Nordeste;
-
Está presente tanto nos setores mais dinâmicos e modernos da economia brasileira (indústrias de ponta, etc.), como nas formas mais tradicionais do trabalho informal, por conta própria, autônomo, entre outras;
-
Atinge tanto os trabalhadores mais qualificados como os menos qualificados.
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