Feijoada Beneficente propicia integração entre surdos e ouvintes
Além
de estabelecer um ponto de encontro para bate-papo e degustação,
evento promovido pelo Ceclis objetivou arrecadar verbas para projeto
social da instituição
Texto
e fotos: Hugo Gonçalves
Encontro
na Praça do Imbuí proporcionou um espaço integrador e interativo
visando à inclusão dos surdos na sociedade
Proporcionar
um ambiente integrador e interativo em prol da inclusão social das
pessoas com deficiência auditiva. Esse foi o objetivo primordial da
Feijoada Beneficente organizada pelo Centro de Estudos Culturais e
Linguísticos Surdos (Ceclis), no último dia 3, na Praça do Imbuí,
onde surdos e ouvintes, todos sensibilizados com a causa, se reuniram
para, simultaneamente, promover um bate-papo e degustar uma das mais
famosas e tradicionais iguarias brasileiras.
Foram
servidos 3 kg de feijão e 1,5 kg de arroz para cerca de 70 pessoas,
mais 2 kg de farinha de mandioca, saladas vinagrete e de legumes,
refrigerante e água. A ideia do evento, de acordo com o presidente
do Ceclis, professor Milton Bezerra Filho, foi estabelecer “um
ponto de encontro entre as pessoas surdas, porque nós temos uma
sede, que fica aqui próximo (no edifício Imbuí
Master), é uma sala, (onde) nós fazemos esse trabalho”.
Além da perspectiva da integração social, a coordenadora do Núcleo de Saúde do Surdo da instituição, psicóloga Márcia Araújo, ressaltou outra finalidade, a arrecadação de verbas para a manutenção de uma de suas iniciativas. Trata-se do projeto Libras Sempre Viva, que contempla vários cursos visando a fomentar o ensino e a propagação da Língua Brasileira de Sinais, considerada a segunda língua oficial do Brasil, regulamentada pelo Decreto nº 10.436/2002, a Lei de Libras.
“Nós temos o projeto de pintura, Libras Sempre Viva com foco na arte, ensinando Libras com foco na educação. A gente tem alguns projetos que desenvolve na sala, e a gente tem custos com material de tinta, com pincel, com profissionais que dão palestras. Então, a gente precisa fazer arrecadação de fundos também”, explicou, acrescentando que os cursos são abertos para qualquer pessoa interessada, seja surdo, ouvinte ou familiar, mediante contato (confira no final desta reportagem).
Professor
Milton Bezerra Filho, presidente do Ceclis
Integrar
e apoiar
Estudantes
de alguns cursos do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), em
cujas matrizes curriculares a disciplina Libras, ministrada pelo
professor Milton, está inserida, também compareceram à Feijoada
Beneficente do Ceclis para, segundo o docente, integrar e apoiar. Uma
delas, Débora da Silva Barreto, 28 anos, que cursa Fonoaudiologia,
aprovou a iniciativa.
“Eu
achei interessante essa ação, porque vai tanto ajudar a gente a
entender e, no caso, a descontrair, descobrir as formas de os surdos
se comunicarem corretamente”, disse a universitária. E afirmou
também que o evento ajudou a agregar valor em sua futura profissão.
“Eu estou aprendendo mais com eles a língua dos surdos, a
linguagem deles. Estou gostando por isso.”
Mesmo
não integrando a comunidade surda, o estudante de História Edvaldo
Bispo de Jesus, 54 anos, marcou presença no evento beneficente para
sociabilizar com os outros indivíduos, e também por demonstrar
interesse em progredir no seu aprendizado e se comunicar com as
pessoas. “Sinto essa necessidade de me comunicar também com esse
grupo de pessoas”, declarou.
Na
qualidade de aluno de Milton, Edvaldo frequenta regularmente as aulas
de Libras, que para ele é considerado um motivo do seu interesse.
“Eu sei que, no futuro, numa sala de aula, eu terei necessidade de
estar interagindo com alunos também, sejam surdos ou mudos”,
orgulhou-se o futuro historiador.
Estudantes
de alguns cursos da Unijorge apoiaram evento beneficente
As
responsáveis pela feijoada
Voluntária
do Ceclis, a assistente social Cristina Nascimento dos Santos
ressaltou que a Feijoada Beneficente surgiu graças a uma ação
conjunta com Márcia Araújo. “Foi uma ideia minha, que ela apoiou,
e a gente está trabalhando para promover eventos para surdos e
também para sustentar financeiramente o Ceclis, porque não tem fins
lucrativos nem apoio de nenhuma instituição”.
Cristina
também é mãe de Marcus Vinícius, 23 anos, que conseguiu seu
primeiro emprego como auxiliar de lavanderia no resort
Iberostar, em Praia do Forte. “Gosto muito de trabalhar com surdos,
tenho um filho surdo, e aí estou nessa demanda de inclusão junto
com Márcia, apoiando o Ceclis, para que venha crescer junto com a
comunidade surda”, afirmou.
Incumbida
da preparação da feijoada, a dona de casa Eunice Rosa dos Santos,
56 anos, lembrou que a iguaria ficou pronta em três dias. “Eu
comecei a cortar as carnes na quinta-feira (31 de maio), as
guardei, teve que escaldá-las. Ontem (sábado, dia 2),
eu preparei (a feijoada)”,
contou a
mãe de Ana Carolina, 29 anos, que, além de surda, apresenta outras
deficiências – de locomoção e de fala.
Dona
Eunice (à esquerda) preparou a feijoada, que surgiu a partir
de ideia de Cristina (à direita), ambas mães de surdos
Confraternização
inclusiva
Servidor
público estadual aposentado, José Tadeu Rocha ajudou a fundar o
Centro de Surdos da Bahia (Cesba) e outras instituições em
benefício da inclusão da categoria na sociedade. Ele esclareceu a
importância da feijoada para a comunidade à qual pertence, que
consiste na troca de ideias e informações entre os próprios surdos
e os ouvintes, resultando em uma agradável atmosfera de
confraternização.
“O
surdo precisa se integrar à sociedade através da língua de sinais.
A sua participação é sempre importante, (pois) ele precisa
de uma maior integração social. Um ser humano interage com o outro
através da comunicação, e o surdo, através da Libras”,
sensibilizou Tadeu, que hoje ministra Libras e Educação Inclusiva
para as turmas de Serviço Social e Pedagogia na Fundação Visconde
de Cairu.
Celina
Eiko, 47 anos, trabalhou no supermercado Walmart do Salvador
Shopping, mas atualmente está desempregada. Ela contou que a
necessidade de fomentar o trabalho em prol dos surdos a motivou a
participar da Feijoada Beneficente. “Sexta-feira (1º de junho)
encontrei o professor Milton e Márcia, os convidamos a comparecer a
esse encontro e eu vim. O que eu gosto é o contato com os surdos e
aqui teria um surdo para a gente bater papo”, declarou. E Celina
também avaliou o evento: “Ótimo, muito bom, gostei muito. A
feijoada, inclusive, é muito boa.”
Aos
43 anos, Maria das Graças Martinez, que apenas cuida da sua família,
compareceu à iniciativa logo após receber o convite. “É um
encontro cultural. Eu gosto muito, eu estou muito feliz de estar
aqui, isso aqui é muito bom estar aqui nesse contato com minha
comunidade”, alegrou-se.
Márcia
explicou que o evento vem cumprindo o papel social do Ceclis, no
qual, infelizmente, há um espaço vago na sociedade que o Poder
Público não realiza, onde o surdo pode se encontrar e se interagir
de uma forma legítima. “(A feijoada) É um espaço de
encontro de surdos, de encontro linguístico, onde as pessoas surdas
podem conversar na sua língua natural, bater papo, trocar ideias,
falar de política, cultura e lazer”, salientou a coordenadora da
instituição, concluindo que a oportunidade foi “um motivo para o
encontro.”
Libras
Sempre Viva
Tendo
a primeira turma iniciada em março, os cursos que integram o projeto
Libras Sempre Viva, segundo a coordenadora do Núcleo de Saúde do
Surdo do Ceclis, Márcia Araújo, estão com inscrições abertas
para qualquer pessoa que esteja interessada em aprender o idioma,
independentemente de estar enquadrada como surda ou ouvinte.
Quanto
à carga horária, os cursos, ministrados na sede provisória da
instituição, localizada no Imbuí Master, são direcionados a
crianças, jovens e adultos e têm duração de 20 e 40 horas, sendo
divididos em três níveis – básico, intermediário e avançado.
“Aí,
a pessoa tem que se matricular, fazer uma prova, a gente vê o nível
que ela está e ela se matricula na turma adequada”, explicou
Márcia, que finalizou: “Inclusive, se tiver alguém interessado,
pode entrar em contato com o telefone da gente, contribuindo para que
o Ceclis possa promover cada vez mais a inclusão da pessoa surda”.
Centro de Estudos Culturais e Linguísticos Surdos (Ceclis)
Endereço:
Rua das Gaivotas, 355, sala 112, Imbuí Master, Imbuí (instalações provisórias) – CEP:
41.720-070 – Salvador – BA
Celulares:
(71) 98212-7888 / 99716-6599 / 98896-0064 (WhatsApp)
E-mail:
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