Doença misteriosa deixa 18 pessoas internadas na Bahia

Problema ainda não esclarecido, que causa dores musculares e outros sintomas, está supostamente relacionado ao consumo de peixes no litoral do estado, afirmam especialistas

Com informações do portal Correio 24 Horas


Sanitaristas analisam se ingestão de olho de boi em Guarajuba pode ter alguma associação com enfermidade
Divulgação

Uma misteriosa doença que causa fortes dores musculares, febre e escurecimento na coloração da urina, entre outros sintomas, fez com que 18 pessoas fossem atendidas nas cidades de Salvador e Valença, no baixo sul da Bahia, nas últimas semanas. Especialistas investigam se a enfermidade, ainda não identificada, está relacionada com o consumo de peixes na faixa litorânea do estado.

Parte dos pacientes foi atingida pela doença após viajarem ao distrito de Guarajuba, no litoral de Camaçari, na Região Metropolitana da capital. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), através de comunicado emitido para as unidades de saúde nesta sexta-feira (16), há suspeita de uma possível variante de mialgia epidêmica, geralmente transmitida por um vírus do gênero Echovirus.

Também denominada doença de Bornholm, a mialgia epidêmica apresenta os seguintes sintomas, provocados por uma infecção viral: dores musculares entre o abdômen e o tórax, dores abdominais, na cabeça e na garganta, falta de ar, febre e urina com coloração escura.

Na mesma nota, a Sesab, ciente do surto, afirmou ter notificado a Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Divep) para elucidar os casos. O alerta, que segundo a assessoria de comunicação da pasta não é direcionado à população, foi protocolado pelos Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) da Bahia e de Salvador.

A princípio, na última quarta-feira (14), nove casos suspeitos da doença em pessoas de três famílias diferentes foram registrados por um hospital da capital. Os pacientes haviam sido conduzidos à unidade de saúde entre os dias 2 e 10 deste mês para serem atendidos e internados com quadro clínico constituído por um início súbito de fortes dores na região cervical e no trapézio, seguido por dores musculares intensas nos braços, no dorso, nas coxas e nas panturrilhas.

Com a divulgação do balanço pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS), na noite deste sábado (17), registraram-se mais sete casos da doença misteriosa, aumentando a quantidade de notificações de 11 para 18. Somente na capital, foram notificados 16 casos, obtidos em hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs); os outros dois registros ocorreram em Valença.

Os sintomas apresentados nos sete pacientes, conforme a coordenadora municipal de Vigilância em Saúde, Isabel Guimarães, são similares aos detectados nos demais indivíduos internados – dores musculares súbitas, sem causa aparente, e níveis alterados de creatinofosfoquinase (CPK), uma enzima importante para o metabolismo dos tecidos musculares.

O médico infectologista Antônio Bandeira disse que um dos pacientes chegou a apresentar um quadro de insuficiência renal. Ainda de acordo com o especialista, as amostras de cada paciente foram coletadas em laboratório, de modo a detectar possíveis vírus ou agentes transmissores do problema.

Pesquisador do Instituto de Ciências da Saúde (ICS), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o professor Gúbio Soares também disse que as amostras já foram coletadas; porém, segundo ele, o laudo que deve indicar a provável causa da doença só será concluído a partir do dia 31. Segundo a Sesab, o problema ainda não esclarecido foi rapidamente disseminado entre os familiares, sugerindo que a transmissão ocorra por meio de contato ou gotículas.

Olho de boi pode ter provocado doença

Especialistas estão investigando se o consumo do peixe olho de boi, também conhecido como arabaiana, comprado fresco na praia de Genipabu, em Guarajuba, está associado à doença. Conforme Antônio Bandeira, os pacientes que estão submetidos a acompanhamento médico relataram que ingeriram a moqueca preparada em casa com o pescado antes ou durante o aparecimento dos sintomas.

“Uma família de quatro pessoas, que consome muito peixe, falou que, nos dias que antecederam o surgimento dos sintomas, não comeram. Mas temos pelo menos cinco pessoas que se alimentaram de peixe em Guarajuba, que é um casal de namorados, a tia, uma mulher que comprou o alimento e também a empregada dela”, declarou o infectologista, em entrevista ao jornal Correio, de Salvador.

Para Bandeira, a tia do casal chegou a confundir os sintomas da enfermidade com uma virose. “Essas cinco pessoas que tiveram os sintomas comeram olho de boi, conhecido também como arabaiana. E por isso essa é uma via de hipótese. A outra é de que estamos procurando um vírus que pode estar causando isso”, esclareceu.

As causas da doença ainda são incertas, mas os pacientes, ao perceberem os sintomas, devem seguir as recomendações de se hidratar abundantemente, evitar a administração de anti-inflamatórios e procurar atendimento médico imediato. “O risco que existe é a pessoa ter a urina escura, não se hidratar adequadamente e acabar tendo uma insuficiência renal. E isso pode acontecer”, advertiu o médico.

A identificação da toxina ou do vírus transmissor da doença dependerá da análise clínica dos pacientes já registrados. “É claro que, se afastarmos as causas virais, e aparecendo mais casos, podem levar a crer que haja essa situação”, disse Antônio Bandeira, referindo-se à suposta relação da doença com o consumo de pescado.

Ele também afirmou que a análise nos peixes é complexa, devido ao fato de que a substância neles apresentada possa se tratar de uma toxina ou de um produto químico, o que torna mais difícil de ser descoberta do que um micro-organismo, a exemplo de uma bactéria ou vírus. “Então, é importante que a Vigilância Sanitária e os órgãos do governo busquem investigar, pois isso não temos como fazer”, convenceu.

Segundo Isabel Guimarães, equipes de sanitaristas da SMS e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), bem como o infectologista Antônio Bandeira, irão realizar, a partir da próxima segunda-feira (19), uma apuração epidemiológica conjunta que consiste em coletar os dados de cada indivíduo afetado pela enfermidade misteriosa. “Faremos entrevistas pessoais e estudaremos os prontuários desses pacientes”, explicou a coordenadora municipal de Vigilância em Saúde de Salvador.

Para Antônio Bandeira (acima), doença não identificada possui sintomas idênticos aos de síndrome registrada no Amazonas
Mauro Akin Nassor/Correio

Sintomas iguais aos da síndrome de Haff

Os sintomas detectados tanto na capital quanto em Valença são idênticos aos da síndrome de Haff, que, para Bandeira, se assemelha àquela que já foi verificada após a ingestão de um peixe de água doce no estado do Amazonas.

“Ela dá um quadro muito semelhante, mas a gente não tem registro de casos em Salvador. Tenho colegas em Natal (no Rio Grande do Norte) que estão relacionando isso já há algum tempo com o consumo do peixe arabaiana. Também já aconteceu em algumas regiões do Norte do Brasil”, lembrou o médico.

O primeiro caso da síndrome de Haff foi relatado em 1924, nos países do Mar Báltico, no nordeste da Europa, e seus sintomas apareceram 24 horas depois de os pacientes consumirem pescados. Há também registros de surtos da enfermidade na Suécia, nos Estados Unidos e na China.

O que é mialgia epidêmica

A mialgia epidêmica, ou Doença de Bornholm, consiste em um problema muscular causado por uma infecção viral, afetando as porções superior do abdômen e inferior do tórax. A dor, caracterizada como espasmódica – que causa contração involuntária nos músculos –, se evolui de repente, piorando a cada movimento e respiração profundos e resultando na ausência de ar para o indivíduo afetado.

Entretanto, no surto registrado no litoral da Bahia, os casos não chegaram a comprometer o sistema respiratório. Frequentemente, a doença também provoca dores abdominais, musculares, de cabeça e de garganta, além de febre. Sua transmissão se manifesta por meio fecal-oral ou, raramente, de pessoa para pessoa, via gotículas ou objetos contaminados.

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