Com ela, nosso mundo ficaria mais completo

Uma das maiores e mais talentosas vozes da música brasileira, que partiu precocemente, Cássia Eller ainda é lembrada pelas canções que interpretou com sucesso

Cássia (na gravação do CD e DVD Acústico MTV, em 2001) acumulou oito discos em vida e deixou dois álbuns póstumos como herança
(Foto: Divulgação – Março de 2001)
 
Dona de um atento e potente timbre vocal que embalava uma juventude pós-Cazuza, além de ser reverenciada por sua postura rebelde e por seu corte moicano. Assim definia a saudosa cantora Cássia Eller, uma das mais significativas intérpretes da música popular brasileira. Durante seu brevíssimo percurso artístico, ela acumulou oito discos em vida e deixou, como herança, dois álbuns póstumos.
 
Cássia Rejane Eller nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 10 de dezembro de 1962, filha de um sargento paraquedista do Exército e de uma dona de casa. O nome da futura estrela foi dado por sugestão de sua avó, devota de Santa Rita de Cássia. Sua fecunda paixão pela música teve início aos 14 anos, quando ganhou de presente um violão de sua avó. Aos 18, Cássia se mudou para Brasília, onde cantou em coral, fez testes para musicais e foi corista de óperas, além de ser vocalista de uma banda de forró.
 
Integrou, por dois anos, o primeiro trio elétrico da capital federal, batizado de Massa Real. Tocou surdo em um grupo de samba e se apresentou em bares. Cássia despontou artisticamente em 1981, no espetáculo Veja você, Brasília, do prestigiado cantor e compositor Oswaldo Montenegro. Nesse mesmo show, outra genialidade, ainda desconhecida, também se apresentou: Zélia Duncan, uma das divas do cenário atual da MPB.
 
Puxado pela regravação de Por enquanto, de Renato Russo, álbum de estreia, de 1990, foi produzido por Wanderson Clayton, tio da cantora
(Imagem: Divulgação)
 
Mudaram as estações...
 
Foi somente em 1989 que a trajetória de Cássia decolou, ao registrar uma fita demo com a música Por enquanto, de Renato Russo (1960-1996), que ele havia gravado com a Legião Urbana em seu primeiro álbum, em 1984. Essa canção puxou o disco de estreia da cantora, intitulado Cássia Eller, lançado um ano depois pela gravadora Polygram (atual Universal), sob o selo Philips, e produzido por seu tio Wanderson Clayton, que vendeu 60 mil cópias.
 
Mesmo sendo intérprete convicta, Cássia Eller assinou apenas três canções: a instrumental Lullaby, com Márcio Faraco, de seu primeiro LP, e no disco seguinte, O marginal (1992), a faixa-título, com Hermelino Neder, Luiz Pinheiro e Zé Marcos, e a música Eles, com Luiz Pinheiro e o baixista Tavinho Fialho. A partir de um relacionamento com Tavinho – falecido prematuramente em um acidente automobilístico, em agosto de 1993 –, a cantora deu à luz, naquele ano, seu único filho, Francisco, mais conhecido como Chicão.
 
Impulsionado pelos sucessos Malandragem, inédita parceria de Cazuza (1958-1990) e Roberto Frejat, líder do Barão Vermelho, e E.C.T., de Marisa Monte, Carlinhos Brown e Nando Reis, seu terceiro disco, Cássia Eller, de 1994, ultrapassou a marca das 100 mil cópias vendidas. O trabalho inclui também a obra-prima 1º de julho, especialmente composta por Renato Russo e dedicada a Chicão, cujo nome é citado na letra.
 
Na turnê desse álbum, Cássia gravou o disco Cássia Eller ao vivo, que chegou às lojas em 1996. O trabalho ficou estigmatizado pelos arranjos peculiares e minimalistas, elaborados apenas com três violões – daí o título alternativo Violões –, executados pelos músicos Walter Villaça e Luciano Maurício, ora substituído por Sérgio Serra, além da própria cantora.
 
No festival Rock in Rio 3, em 2001, Cássia cantou seus principais sucessos
(Foto: Divulgação – Janeiro de 2001)
 
Transformou o tédio em melodia
 
Em 1997, ela lançou o álbum Veneno antimonotonia, produzido e dirigido pelo poeta baiano Waly Salomão (1943-2003). Seu repertório trazia canções de um dos exímios poetas do rock nacional, o cantor e compositor Cazuza. Em 1998, foi lançado o CD Veneno vivo, registro da turnê do disco anterior, também com produção e direção de Waly.
 
Graças ao êxito da balada O segundo sol, de Nando Reis, na época baixista e um dos vocalistas do grupo de rock Titãs, Cássia Eller gravou, em 1999, o CD Com você... meu mundo ficaria completo, produzido pelo próprio Nando. O ano de 2001 foi superprodutivo para Cássia. Meses após se apresentar no Rock in Rio 3, em janeiro, lançou o CD e DVD Acústico MTV, também produzido por Nando, em colaboração com o violonista Luiz Brasil.
 
O álbum, gravado em São Paulo em 6 e 7 de março daquele ano, ganhou os reforços de doze músicos requisitados, incluindo Luiz Brasil, João Viana (bateria), filho caçula de Djavan, Bernardo Bessler (violino) e a baiana Elaine Moreira, a Lan Lan (percussão e vocais), acrescentados às participações de Nando Reis em Relicário, composição dele, do rapper paulistano Xis na sua De esquina e dos percussionistas do grupo pernambucano Nação Zumbi em De esquina e Quando a maré encher. Acústico MTV Cássia Eller alcançou vendagem superior a 1 milhão de cópias.
 
O coração de Cássia parou de ressoar no dramático 29 de dezembro de 2001, mais um dia triste para a nossa música. Morreu aos 39 anos, vítima de um infarto repentino, enquanto estava internada na Clínica Santa Maria, nas Laranjeiras, zona sul do Rio. Na época, suspeitava-se de overdose de drogas, mas a hipótese logo foi descartada.
 
Seu inquestionável espólio provindo do extraordinário talento, entretanto, continua em estágio progressivo, colocando no mercado os discos póstumos Dez de dezembro (2002) e Rock in Rio: Cássia Eller ao vivo (2006), registro em CD e DVD da apresentação da cantora na edição de 2001 do festival. Mesmo após sua morte, ela ainda é recordada pelas belas canções que interpretou, marcadas por sua voz grave e por seu repertório eclético.

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