A difusão da tatuagem nas tribos

Artigo escrito em 8 de novembro de 2012 para o blog Minha Tattoo Bahia
 
 
A tatuagem, uma tradição milenar que vem se atualizando, é definida como uma intervenção plástica, de caráter invasivo e penetrante, realizada na superfície do corpo humano. Ela consiste na pigmentação da pele (dermopigmentação) através da introdução de substâncias corantes por meio de agulhas ou objetos similares.
 
Os profissionais que lidam com a técnica, os tatuadores, introduzem o pigmento na derme, a segunda camada da pele, utilizando ossos e dentes de animais, fragmentos de madeira ou a avançada máquina elétrica. Desenvolvida para certas partes do corpo, a tatuagem apresenta algumas exceções. Portanto, vários tatuadores criam estilos peculiares.
 
Muitas tribos se tatuaram com intenções distintas, como identificar momentos mais importantes da vida de seus membros. Um exemplo disso aconteceu em algumas regiões da Ásia, onde as mulheres se tatuaram com tinta à base de henna ao selarem seus matrimônios. Com a matéria-prima, faziam-se, no corpo da noiva, desenhos nos pés e nas mãos, como se estivessem cobertos por um tecido de renda.
 
Além disso, a tatuagem também simboliza um rito de passagem para uma nova fase da vida de uma pessoa. Esses rituais de iniciação continuam sendo praticados em regiões distintas do planeta. Antigamente, as pessoas se tatuavam em ocasiões específicas, como luto e até conflitos, com o objetivo de assustar os inimigos.
 
O primeiro indivíduo tatuado que se tem notícia trata-se de uma múmia descoberta em 1991, na região dos Alpes, entre a Itália e a Áustria. Denominada Ötzi, o “homem do gelo”, ela viveu há mais de 5 mil anos e tinha 57 tatuagens espalhadas pelo corpo.
 
Primeiro homem tatuado foi Ötzi, uma múmia descoberta nos Alpes
(Foto: Divulgação)
 
A presença da tatuagem no Ocidente teve seu marco inaugural no século XVIII, com o choque cultural entre os habitantes das ilhas do Pacífico Sul, que dominavam a técnica, e os marinheiros europeus, em particular os britânicos. A partir deste contato, a arte corporal renasceu no Velho Continente, após um período de quase extinção durante a Idade Média.
 
Nos séculos XIX e XX, vários tatuadores ocidentais haviam sido marinheiros que, ao se aposentarem, permaneceram nas cidades portuárias desenhando os corpos. A partir daí, a tatuagem se popularizou nas sociedades ocidentais. Outras consequências do “renascimento” da tatuagem no continente europeu foram o circo e a exibição do corpo tatuado para fins de entretenimento.
 
Todavia, foram os marinheiros que contribuíram para o renascimento da tatuagem. Eles não somente se tatuaram, mas também foram instruídos na técnica, transformando-a em uma profissão. A tatuagem, entre os marinheiros, acabou se transformando em parte de sua identidade cultural.
 
O grupo mais associado à tatuagem, segundo o médico-legista italiano Cesare Lombroso (1835-1909), foram os criminosos. Portanto, ela passou a ser identificada como um estigma de criminalidade, fazendo com que o corpo desempenhasse um papel fundamental na resistência a sistemas policiais e de exercício de autoridade.
 
Em 1891, o estadunidense Samuel O’Reilly inventou a máquina elétrica de tatuar, também chamada tatuógrafo. Por meio dessa ferramenta, muitas agulhas podem agir ao mesmo tempo, transferindo com velocidade o desenho para a pele. O ofício de tatuador se consolidou pela difusão mundial da tatuagem e pela praticidade de executá-la mecanicamente, dissociando-a do estigma marginal.
 
Mesmo após o advento da máquina elétrica, os mecanismos tradicionais de tatuar ainda são empregados em diversas tribos. Entre eles podemos citar as agulhas, sustentadas por hastes de espessuras e tamanhos sortidos. Os pigmentos, que podem ser misturados entre si formando novas tonalidades, variam conforme os aspectos culturais de um povo.
 
 
A tatuagem foi exportada para o Brasil em 20 de julho de 1959, no porto de Santos, em São Paulo, por iniciativa de um dinamarquês conhecido como “Lucky Tattoo”. Em notícia publicada no jornal O Globo de 4 dezembro de 1975, Lucky era considerado o único tatuador profissional em toda a América Latina. O precursor da arte corporal no país é respeitado e continua uma lenda entre seus discípulos.
 
No entanto, João do Rio (1881-1921) havia descrito, no alvorecer do século passado, a indústria da tatuagem na cidade do Rio de Janeiro. Em seus testemunhos, o jornalista retratava que meninos em bandos, usando agulhas de costura e tinta nanquim, circulavam pelas ruas do cais do porto da então capital do país prestando serviços a prostitutas, marinheiros e trabalhadores das camadas populares, entre eles imigrantes portugueses.
 
Várias tribos fazem da tatuagem um signo de pertinência social na contemporaneidade, pois o sujeito vincula sua identidade ao desenho que sua pele ostenta. No caso de um membro de uma tribo urbana, por exemplo, a tatuagem representa a manutenção dos valores de seu grupo e um juramento de fidelidade a ele.

Coletivamente, ela passa de signo a condição de rito de iniciação sacramentado pela tribo, como ocorre no movimento straight edge, um grupo que segue a doutrina vegetarianista e a prática sexual reprodutiva, entre outros dogmas. Seus integrantes, denominados straight edges, têm como rito iniciativo uma tatuagem de uma letra X nas costas de suas mãos.
 
Tatuagem de uma letra X, símbolo do movimento straight edge
(Foto: Divulgação)
 
As tribos propõem que suas tradições sejam respeitadas ou pelo menos reconhecidas. Para que elas possam ser identificadas, também se faz necessária a identificação dos signos de pertinência. O reconhecimento de um indivíduo pela tatuagem, para um straight edge, possibilita o reconhecimento de seu discurso e de sua subjetividade.
 
Mais de mil anos depois, a tatuagem se manifesta em todas as tribos e todos os segmentos sociais sem distinções, graças a uma volumosa disponibilidade de informações sobre essa fantástica arte que penetra no corpo. Suas temáticas, estéticas e colorações se traduzem numa infinidade e são variáveis conforme as preferências de cada indivíduo que a ostenta.

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