Tempos de felicidade

Durante os meus áureos primórdios, eu era, além de ser um filho feliz, uma criança ao mesmo tempo inocente e traquina. Em quase todas as circunstâncias em que estava presente, meus pais me consolavam, executando uma série de tarefas vitais para o meu sustento doméstico e extradoméstico. Trocavam fraldas, me davam banho, de preferência numa pequena banheira ao lado do berço, me carregavam no colo, e, enquanto isso, fiquei chorando continuamente, escorrendo lágrimas até cessar.

Minha memorável infância tem, obviamente, sabores de candura, delicadeza e brandura. Porém, primeiro em um apartamento de aluguel em que eu e meus pais residimos temporariamente e em seguida já aqui na nossa residência própria, aprontava traquinagens e travessuras impossíveis, das quais eu tinha mania mesmo. Como um menino travesso, observava a estante, cheia de objetos, como livros velhos, discos de vinil, televisor, aparelhos de som (o CD e o DVD ainda eram sonhos de consumo), subia na mobília da sala de estar, manuseava brinquedos e fazia de eletrodomésticos pouco usuais, como a enceradeira posicionada no canto da sala, um mero objeto de divertimento.

Gostava também de exprimir, dentro e fora de casa, meus gestos de alegria logo nos meus anos iniciais. Ao ver minha contente, afetuosa e protetora mãe deitada sobre uma linda rede colorida quadriculada, instalada na varanda, só para exemplificar meu lado jocoso, eu, então com três aninhos, tinha vontade de rir enquanto meu pai, com dotes de fotógrafo, acionava sua velha câmera analógica Olympus. Já que naquela época não possuía o hábito de me vestir direito, ficava seminu, trajado de um modesto short verde.

Num único momento, estudando em uma escola de educação infantil, me fantasiei de cowboy, com direito a um imponente chapéu branco, arrematado em sua parte inferior por uma listra horizontal verde escura, para eu sair numa fotografia gigante de uma revista fictícia. Tinha cinco anos e um fotógrafo foi à escola, onde na oportunidade cursava a segunda fase do jardim de infância – o Jardim II – apenas para me clicar sob um fundo azul anil, fixado na biblioteca. Dias depois – imagine – eu aparecendo como modelo na capa da ilusória publicação, direcionada para as crianças.

Até a minha adolescência, apreciava (e continuo apreciando) muitas festinhas comemorativas do meu aniversário e também do meu irmão, que é dois anos mais novo que eu. Foram episódios inesquecíveis e, sobretudo, clássicos, regados a tortas, doces, salgados, refrigerantes e o retumbante prefixo sonoro Parabéns a você. As pessoas que compareceram a essas ocasiões festivas, em alguns períodos, não se resumiam a mim, a meus pais e a meu irmão. Quaisquer parentes estiveram presentes, tanto que certa vez me levaram ao apartamento de uma tia minha para festejar meu natalício de seis anos com direito a uma comemoração formidável.

Eu, meu irmão e meus pais tínhamos corajoso espírito lúdico em potencializarmos nossas diversões externas ao âmbito domiciliar. Sentados na imensa relva à beira-mar de uma praia da orla atlântica, desfrutávamos das duas bolas, uma maior, colorida; e outra menor, de futebol, branca com apliques pretos, e contemplávamos a explícita formosura da paisagem, com predominância dos coqueiros robustos e frutíferos. Pouco tempo se passou e minha família percorreu exóticos pontos turísticos do centro histórico da nossa urbe, e por conseguinte fiquei deslumbrado por ter observado os atrativos pela primeira vez, experiência que uma década mais tarde passei a vivenciar sozinho, por conta própria, sem o consentimento paterno.

Cheguei até a penetrar nas aventuras motociclísticas, só que amadoras, pilotando uma motocicleta multicolorida no parque de diversões de um famoso festival de música nordestina, realizado no interior de um outro parque, o de exposições agropecuárias daqui da capital. Como tinha sete anos, sendo que dois meses depois completei oito, e não sentia receio enquanto pilotava aquela pérola da velocidade, reproduzida para tornar-se um singelo brinquedo móvel eletroeletrônico, não tinha – e nunca tive – habilitação para manobrar um meio de transporte simultaneamente tão veloz e tão perigoso.

Tanto meus momentos de criança quanto de adolescente me induziram a passear por clubes sociais, inclusive o maravilhoso Jockey Club, no litoral norte, do qual éramos sócios – suponho que ele, um extraordinário misto de hipódromo e parque aquático, foi extinto misteriosamente, e que sua sede foi demolida, disso não tenho exata certeza. Admirei, na mesma faixa etária, praias que, na minha opinião, são impressionantes, como São Tomé de Paripe, no subúrbio, e na paradisíaca Arembepe, outrora reduto dos hippies na nossa costa.

Por sempre acreditarmos na doutrina cristã e a seguirmo-la com firme convicção, eu e meu irmão, ainda pequenos, fomos batizados na paróquia daqui da nossa comunidade, em missa solene que contava com dezenas de familiares, que vieram especialmente para prestigiar nosso batismo. Foi, portanto, um episódio marcante em nossa vida, reafirmando as nossas virtudes espirituais. Ao passo que, no momento da celebração religiosa, tinha oito anos, meu irmão estava com seis, e passávamos a ser batizados, junto a nossos pais, da mesma forma como Jesus foi batizado, com água benta e purificada.

Ao vasculhar minhas reminiscências em álbuns fotográficos, redescobri alguns registros de um dos melhores passeios que já tinha feito até agora, quando era adolescente, aos dezesseis anos. Na companhia eterna de meu pai, eletricitário, visitava, num só final de semana, a convite da empresa onde ele trabalha, algumas usinas hidrelétricas no Rio São Francisco: o complexo de Paulo Afonso, no sertão baiano, e Xingó, na divisa de Alagoas com Sergipe. E, como cortesia, excursionávamos pela cidade de Paulo Afonso e em municípios sertanejos alagoanos e sergipanos – essa foi a primeira e única vez que saíamos do nosso estado de origem.

Excursão essa em que, apesar de percorrer lugares mais remotos e alheios a regiões civilizadas, explorávamos, em superfície e profundidade, aos aprazíveis segredos dos grotões sanfranciscanos – estratégia forjada por iniciativa da corporação hidrelétrica. As usinas hidrelétricas, quando as observávamos naqueles três dias de viagem, são de fato colossais, de dimensões radicais, um outro ambiente, um outro campo de trabalho. Seus interiores, onde se encontram as casas de máquinas, assemelham-se a cavernas pré-históricas.

Não importa quando e onde eu e meus parentes estávamos ao sentirmos orgulhosos pelas nossas passagens, tampouco a minha idade, mesmo sendo criança, adolescente ou adulto. O importante, para nós, é admirar, nutrir e perpetuar a grandeza dos nossos encontros, independentemente de tempo e de espaço, e compartilhar a fidelidade, a concórdia, a harmonia e a coesão nos diversificados ciclos interpessoais. Apesar da transitoriedade das vivências, os registros, ao serem revelados, permanecem não apenas na minha, mas também nas nossas memórias, em ação ininterrupta.

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