Doce gelado no palito

Conheça a história do picolé, doçura inventada por acidente, por um menino americano de 11 anos, e que mais tarde conquistou o paladar mundial

Na manhã seguinte a uma noite gélida em São Francisco, em 1905, Frank Epperson descobriu que o suco preso a uma colher havia sido congelado
Rogério Voltan

Todos os anos, acompanhado do sorvete, o picolé é uma das delícias prediletas entre as pessoas, em particular na alta estação. Você sabia que esse preparado líquido à base de sucos de frutas ou de leite, aromatizado, colorido, congelado e espetado no palito, adorado ao redor do planeta e facilmente encontrado em sorveterias, supermercados, mercadinhos, bares, restaurantes, lanchonetes, vendedores ambulantes, residências e um amplo leque de lugares que você pode imaginar, foi formulado por uma criança? Parece incrível, mas é óbvio.

A saga da maravilha que avassaladoramente seduziu o mundo teve sua gênese no inverno de 1905, quando, numa noite muito gélida na cidade de São Francisco, no estado americano da Califórnia, um menino de apenas 11 anos, chamado Frank Epperson (1894-1983), deixou por acidente, no quintal de sua casa, um copo contendo suco em pó diluído em água, preso a uma colher. Na manhã seguinte, Epperson percebeu que a mistura havia sido congelada. Essa fórmula criada acidentalmente foi batizada de “eppsicle”, aglutinação do sobrenome do seu inventor com a palavra icicle (pingente de gelo, em inglês).

Receita que, embora agradasse ao paladar dos amigos de infância de Epperson, foi guardada em sigilo por ele por 18 anos seguidos. Nesse intervalo duradouro, o outrora obstinado ingressou no setor imobiliário. Em 1923, Frank Epperson desvendou o mistério, apresentando-o publicamente numa festa. Como o “eppsicle”, o embrião do picolé, foi um crescente e instantâneo sucesso naquela ocasião, Epperson resolveu confeccioná-lo em larga escala e comercializá-lo em sua pequena barraca.


A guloseima passou a ser comercializada graças a seu instantâneo sucesso em festa
Divulgação

Já que os filhos do inventor da doçura congelada chamaram-na de “pop’s sicle”, que significa, numa tradução livre, gelinho do papai, ele decidiu alterar o nome do produto, em 1924, rebatizando-o de “popsicle” ou ice lollipop (pirulito congelado). Surgiu, assim, o picolé, como a criatura de Epperson é conhecida por aqui. O “popsicle” logo foi patenteado e transformou-se em marca comercial, com a fundação, pelo próprio criador, da Popsicle Corporation. Um ano depois, em meio a dificuldades financeiras, os direitos do nome Popsicle foram vendidos à empresa Joe Lowe Company, de Nova York. Todavia, em 1928, Epperson recebeu uma quantia superior a US$ 60 milhões em royalties referente ao comércio de picolés.

A próspera marca Popsicle, durante seus 85 anos, mudou de dono sucessivas vezes, porém continua sendo, na atualidade, uma das mais populares do segmento de picolés nos Estados Unidos e no Canadá, hoje pertinente ao conglomerado multinacional holandês Unilever. Seu catálogo inclui mais de 30 variantes do tradicional produto, com sabores de frutas sortidas e de chocolate. As formas do picolé Popsicle vão desde as mais sóbrias às esquisitíssimas, inspiradas em naves espaciais, desenhos animados e até ser humano estilizado.

O picolé pioneiro do Brasil foi o Chicabon, lançado em 1942, cuja fabricação persiste até os dias atuais
Divulgação

Ancoragem

O picolé aportou no mercado brasileiro após a introdução da primeira indústria de sorvetes no país, a filial da companhia americana U. S. Harkson (hoje Kibon), no Rio de Janeiro, em 1941. De início, ela funcionava num galpão alugado aos pés do Morro da Mangueira, onde foi instalada a extinta fábrica de sorvetes Gato Preto. Foi a Harkson que lançou, em 1942, o primeiro picolé do Brasil, o lendário e genuíno Chicabon – então chamado Chica-bon (com hífen mesmo) –, cuja produção e comercialização perduram até hoje. A despeito de ser o pioneiro, sua fórmula prossegue inalterada, à base de leite, chocolate e malte.

De etimologia controversa, o nome Chicabon, uma das mais aclamadas marcas de picolé em território nacional, é também uma das famosíssimas do portfólio da Kibon. Há duas hipóteses sobre sua origem. Conforme notícia publicada no portal Folha Online, em dezembro de 2007, “a versão oficial diz que Chicabon é uma homenagem carinhosa às tantas mulatas cariocas chamadas Francisca (ou Chica), nome comum na época”. Outra versão, de cunho romântico, foi uma homenagem do fundador da Harkson brasileira, o estadunidense John Lutey, entusiasmado pela beleza de uma mulata chamada Francisca.

O irresistível invento acidental de Frank Epperson, transcorridos 106 anos, continua conquistando a preferência, a simpatia e a aprovação da coletividade mundial em estilos, gostos, nomenclaturas e tons sortidos. Por conseguinte, não é impossível procurá-lo em inúmeros pontos de venda, não importando que estes sejam modestos ou colossais. Ao degustar um picolé, mesmo possuindo uma infinidade de variações, o fundamental sempre é a percepção do seu delicioso sabor.

Comentários