Rio: cidade maravilhosa?

"O Rio de Janeiro continua lindo/O Rio de Janeiro continua sendo..." Por trás dessa antológica canção de Gilberto Gil, Aquele abraço (1969), que estigmatizou a despedida de uma das mais criativas cabeças do Tropicalismo rumo ao exílio em Londres, há um crítico fundo de realidade na fantasiosa boniteza assiduamente explicitada na grande mídia, em cartões postais e similares. De um lado, as repetidas imagens de um Rio charmoso, civilizado, cosmopolita e iluminado, banhado pelas águas calmas da Baía de Guanabara. De outro, a bandidagem dos morros periféricos e até centrais (favelização do centro?).

Qual é a face carioca onde há obscurantismo visível nestas semanas em razão do medo? A Zona Norte, a Zona Sul, a Zona Leste, a Zona Oeste ou o Centro?

Há uma semana, estamos absurdamente perplexos em acompanhar, pela ação dos jornalistas, a espetacularização, ao vivo e em cores, da retumbante escalada da bandidagem no Complexo do Alemão, na Zona Norte da capital fluminense. A região estende-se por quatro bairros – Bonsucesso, Inhaúma, Penha e Ramos –, e é uma das mais perigosas da cidade que se autointitula "Cidade Maravilhosa". Com essa avalanche de tiroteios, assassinatos, chacinas, carnificinas, latrocínios e tantos outros gestos crudelíssimos, o Rio está muito aquém da sua efetiva pacificação, possível somente com os milagres divinos.

"Cidade Maravilhosa"? Factualmente, as zonas mais violentas do Rio, sejam ricas ou pobres, nada mais são incômodos purgatórios, comprovados pelo dinâmico declínio da paz e da concórdia. Vemos diariamente a vetusta troca de tiros entre a polícia e os bandidos, o velho tráfico de drogas e as nocivas perdas de vidas. Quem trouxe tal prejuízo para o povo carioca? Acredito que foi o Maligno, com suas labaredas incendiárias para exterminar os prodígios que Deus nos retribuiu. Tentando conter a violência circunstancial, a polícia dispõe de um arsenal cuja eficiência, suponho, é transitória.

O impasse no combate à criminalidade é como se fosse uma história da carochinha: governos sucessivos prometem domá-la, mas não cumprem o prometido com pleno rigor. Nos morros dominados por facções rivais, milhares de moradores confrontam com o fogo cruzado da guerra civil. Isso é o que está sendo amplificado pelos jornais, pela televisão, pelo rádio, pelas revistas, por tudo o que é imprensa, dispensando o senso do ridículo. Estamos assistindo a um espetáculo macabro e hediondo, sem máscaras nem maquiagem.

Comentários