A invenção da baianidade e o jingle da Rede Bahia para o verão 2009

Camila Barreto, Hugo Gonçalves, Luís Victa, Taísa Conrado e Thyara Araújo
Estudantes de Jornalismo do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge)

Artigo acadêmico orientado pela professora Silvana Moura, docente da disciplina Cultura Brasileira e Baiana

1. Introdução

O jingle Rede Verão da Bahia, nosso objeto de estudo para este artigo e para o seminário, foi veiculado em todas as emissoras de televisão e rádio da Rede Bahia entre o final de 2008 e o início de 2009, período que corresponde à alta estação no Hemisfério Sul. Composto pelo baiano Alexandre Leão, o tema utilizado pelo maior grupo de comunicações do estado foi interpretado pela cantora Cláudia Leitte.

A divulgação do jingle Rede Verão da Bahia tinha como objetivos enaltecer a beleza e os encantos da Bahia, partindo do pressuposto de que todos os baianos estão vivendo às mil maravilhas, mencionando várias atividades rotineiras que os eles fazem – curtir o mar e o pôr do sol, se divertir em festivais de música, participar das festas populares sagradas, prática comum no nosso calendário.

Além disso, a música fomenta a divulgação de outros produtos promovidos pelo conglomerado, a exemplo do jornal Correio* e do Festival de Verão Salvador, um dos grandes marcos da nossa indústria do entretenimento. O vídeo que tem esse jingle como trilha sonora, com duração de 1 minuto, foi feito pela produtora Goa Pictures.

2. Discurso da baianidade

2.1. Religiosidade e festas

Ao buscar pelas formas de agir mais frequentemente referidas como típicas dos baianos, a escolha da autora, Agnes Mariano, foi iniciar falando das práticas religiosas.

O motivo não é aleatório: a referência a este tipo de prática cultural é uma presença constante nas canções da primeira metade do século XX. Parece que, se a transmissão dos valores e conhecimentos antigos parece vir sempre acompanhada da repetição das práticas tradicionais, isto se aplica com intensidade especial quando a religiosidade é referida. (MARIANO, 2009, p. 36)
O jingle Rede Verão da Bahia mostra as práticas religiosas, como a Festa de Iemanjá, que acontece anualmente no dia 2 de fevereiro, e a Lavagem do Senhor do Bonfim, que reúnem milhares de pessoas com um propósito básico: pedir proteção, agradecer e festejar.

No livro A invenção da baianidade, Mariano (2009) faz referência a essas práticas religiosas, onde são bem mais frequentes saudações de manifestações exteriores, visíveis, públicas, do que de forma individual, interior.

A Bahia é marcada pelo forte sincretismo religioso que pode ser percebido nas festas religiosas em que combinam a tradição católica com danças, batuques e degustação, bem ao modo das liturgias africanas.

As festas do Bonfim e de Iemanjá possuem uma grande expressividade até os dias de hoje, envolvendo procissão marítima e muitos pedidos de proteção.

Quanto à festa do Bonfim, segue a frente do enorme cortejo que caminha por oito quilômetros até a igreja, um grupo de baianas carregando jarros de água perfumada que usam para lavar as escadarias da igreja. Água que, para alguns, também seria capaz de lavar as mágoas do coração dos homens.

O Senhor do Bonfim é o protetor dos baianos, segundo o compositor Eduardo Alfredo Guimarães, após dois grandes acontecimentos do século XIX:

Em 11 de março de 1842 foi realizada uma procissão pela cidade com a imagem do Senhor do Bonfim, em função de uma prolongada seca que assolava Salvador e outras cidades. Segundo relatos da época, em meio à procissão iniciou-se uma chuva que durou horas.

O outro milagre teria acontecido em 1855, quando uma epidemia de cólera-morbus afetava toda a província. No dia 3 de setembro fez-se uma nova procissão pela cidade com a imagem do santo. Garantem alguns que quando a imagem retorna à igreja, a epidemia já estava extinta. (Idem, 2009, p. 41-42)
Em relação ao sincretismo religioso, Jorge Amado dizia que a celebração da festa do Bonfim incomodava a igreja devido a forma de homenagear o santo, que é sincretizado com o orixá Oxalá. Daí, a multidão de pessoas com roupas brancas, e caminhada com jarros de água para lavar o chão, como acontece na cerimônia do candomblé “Águas de Oxalá”.

O verso do jingle que diz “E quem tem fé vai até a pé” refere-se à importância do ato externo como tradutor de sentimentos que torna-se ainda mais explícito, ao reunir um grande contingente populacional - aludindo à caminhada de oito quilômetros pelas ruas da Cidade Baixa que os fiéis, de todas as idades, enfrentam no dia da festa em louvação ao Senhor do Bonfim.

Na Lavagem do Bonfim convivem, unem-se e digladiam-se fiéis do Candomblé, católicos, baianos e turistas em busca de fé, prazer e diversão.

A Festa de Iemanjá intensificou-se a partir de 1924, quando, no dia 2 de fevereiro, um pequeno grupo de pescadores do Rio Vermelho organizou uma festa em louvor a Iemanjá. Hoje, a homenagem a Iemanjá tornou-se um dos ícones da baianidade.

Em meio a tantas outras festas tradicionais religiosas baianas, podemos citar algumas: Festa da Conceição da Praia, Procissão do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, Terno de Reis, Lavagem do Bonfim, Festa do Divino Espírito Santo, Festa de São Lázaro ou de São Roque, Caruru de São Cosme e São Damião.

Já que as festas e a religiosidade mesclam-se com naturalidade, reafirmando a proximidade entre os âmbitos do sagrado e profano, podemos já abordar o Carnaval como a principal festa dos baianos.

Efetivamente, as festas têm uma presença marcante na cidade, sempre conquistando uma participação popular expressiva, mesmo quando partem de uma motivação fundamentalmente religiosa. Elas desempenham um papel-chave também como atrativo turístico, ao lado das belezas naturais e do patrimônio histórico da cidade.

O Carnaval abre espaço para a criatividade, para a irreverência e para o rompimento com as normas sociais de comportamento. Ele motiva a realização de numerosos espetáculos, tais como ensaios e shows diversos que atraem multidões e trazem para a capital baiana milhares de turistas para desfrutá-lo com antecedência.

Por todos esses motivos, o baiano é visto como povo festeiro, alegre e hospitaleiro e que, mesmo em momentos difíceis, procura não se deixar “abater” facilmente.

2.2. Hábitos alimentares

Mariano (2009) cita que, segundo Roberto da Matta (1997), “a comida (com suas possibilidades simbólicas) permite realizar uma importante mediação entre cabeça e barriga, entre corpo e alma, permitindo operar simultaneamente com uma série de códigos culturais que normalmente estão separados”.

O baiano aprecia o preparo, a venda e o consumo de alimentos em locais públicos e faz parte do seu cotidiano as confraternizações gastronômicas. Assim é identificado, no vídeo publicitário, o acarajé, iguaria símbolo dessas “comidas de rua”, de origem africana. Esse costume é herança oriunda dos rituais de candomblé, da elaboração e oferecimento de alimentos aos orixás. A tradição da alimentação africanizada perdurou e faz parte da mesa dos baianos. Odorico Tavares (1951:132) traz um comentário sobre a influência negra nesse assunto:

Quanto à sua origem, não é segredo nem novidade que foi o negro quem nos trouxe os elementos mais fortemente integrantes da cozinha baiana. Artur Ramos ensina que “foi o negro sudanês, principalmente, quem introduziu no Brasil o azeite de coco de dendê (Elais guineensis), o camarão seco, a pimenta malagueta, o inhame, as várias folhas para preparo de molhos, condimentos e pratos. E ainda modificou com seus processos a cozinha indígena ou portuguesa.” E se houve certa resistência do elemento branco para incorporar à sua cultura tais elementos africanos, essas barreiras cederam “até que no século XIX o caruru, o vatapá, o acarajé já se podiam considerar pratos nacionais." (TAVARES, 1951, p. 132 apud MARIANO, 2009)
As comidas baianas de origem africana são em geral bastante trabalhosas no preparo, algumas seguem conselhos da tradição, como a abstinência no uso de ingredientes industrializados.

Os hábitos alimentares fazem também referências às frutas tropicais, únicas da terra, e os pratos tipicamente baianos estão bastante ligados aos frutos do mar, onde a relação além da religiosidade é bastante intensa. Daí temos as moquecas e as peixadas. Entre os condimentos mais famosos estão a pimenta, o dendê, o camarão, o gengibre, o amendoim e a cebola.

A culinária baiana está atrelada a ideia de condimentar em abundância. O sabor marcante, peculiar e acentuado são traços únicos e considerados de extrema importância para se reconhecer um prato típico.

2.3. Corporeidade

Refere-se à particularidade dos baianos na destreza, nos movimentos graciosos, na habilidade corporal e no gingado próprio. Esses aspectos reúnem sedução como ponto forte, que traduz-se na forma de andar, de dançar. O desempenho físico é marcado por uma desenvoltura e desinibição especialmente das mulheres.

A expressão corporal é mostrada através do samba, onde o rebolado da baiana é explorado, na exibição de uma coreografia sedutora, onde há um jogo de sensualidade presente intrínseco do povo baiano.

A dança e as festas são responsáveis por desenvolverem esse atributo. No jingle, há a presença de um balanço, um gingado mais reservado, no trecho “Uma levada, um axé”, sendo explicitado que nem precisa de muito barulho para o baiano começar a mexer o corpo.

A utilização da corporeidade, no entanto, desenvolve muitas simbologias, como a interpretação da dança como um convite ao sexo. A sensualidade está presente também em elementos como olhares e posturas.

Assim como na culinária, o Candomblé é fonte de inspiração para a dança popular. Está ligado ao contato com as divindades. Mariano (2009) diz que “dançar para o orixá é uma honra reservada apenas aos iniciados e a comprovação de um conhecimento”.

2.4. A personalidade baiana

“O modo baiano de ser” pode ser observado sob aspectos físicos e psicológicos. Seriam as formas de vestir, a aparência e os trejeitos baianos: coragem, disposição de espírito e virilidade. De modo geral, os baianos típicos são essencialmente simpáticos, afáveis, sedutores, volúveis, espertos, desinibidos e inteligentes.

Mariano (2009) faz uma breve separação desses aspectos:

Nas relações afetivas: o carinho, certa passionalidade e inconstância.

Nas relações econômicas e profissionais: o despojamento, a esperteza, a inteligência, apesar da condição sempre subalterna.

Nas relações sociais: a desinibição e simpatia.

A respeito do aspecto físico, há várias menções da beleza da mulher negra em relação as suas vestes. As mulheres baianas abusam de adereços, enfeites, roupas que definam sua apreciada forma física e despertam novamente a ideia de sedução.

Nesse contexto contraditório, temos a figura da “baiana”, traje típico que, nas escolas de samba, é representada como cheia de charme e elegância. O traje, antigamente muito visto, hoje é restrito aos terreiros de candomblé, vendedoras de acarajé e jovens fantasiadas para recepção de turistas. O traje é totalmente oposto à sensualidade tão presente.

Na segunda metade do século XX, o espírito e as maneiras de agir foram o foco do discurso da baianidade. Um importante componente aparece com mais força: a alegria.

Os baianos são selados por um bom humor, disposição para celebrar e otimismo na resolução de problemas. A alegria que o baiano possui é contagiante, irradiando-o. Muitas vezes o motivo é desconhecido, mas é evidenciado como marca identitária. O sorriso estampado na face do povo baiano é um registro do seu esplêndido estado de espírito.

2.5. Hereditariedade, obediência e apego à tradição

O vídeo da propaganda do verão 2009 da Rede Bahia, cantado pela baiana (de adoção, embora seja nascida em São Gonçalo, no Rio de Janeiro) Cláudia Leitte, manda a mensagem em sua letra o que há de melhor na Bahia e em ser baiano.

Podem ser identificados alguns quesitos abordados no terceiro capítulo do livro A Invenção da baianidade. De acordo com o Blog do Gutemberg (2009), “o discurso da baianidade constrói uma explicação do mundo e define um código de conduta. O discurso indica valores, princípios, crenças, normas de conduta, habilidades, aponta problemas, arrisca justificativas, soluções, alimenta esperanças”.

Objetivando mais a mensagem da letra do jingle da peça publicitária, a música dá ênfase à melhor época do ano na Bahia, o verão. O trecho “O que é o verão na Bahia?” é como se fosse um questionamento dos brasileiros de outros estados que não sabem o que tem de bom em ser baiano e por consequência não sabem o grau de felicidade que as atrações da Bahia podem proporcionar.

Respectivamente obtém-se a resposta “Um momento em que o mundo é mais lindo/Um amor, um estado de graça”. É neste momento que pode ser visto o quesito hereditariedade no livro de Mariano, onde a autora cita que “Baiano quer dizer quem nasce na Bahia, quem teve este alto privilégio, mas significa também um estado de espírito, certa concepção de vida, quase uma filosofia” (2009).

O jingle, além de abordar o que de bom o estado proporciona, também faz uma breve referência às crenças e às tradições religiosas, nos versos “Na Sereia e também no Bonfim/Uma festa que nunca tem fim”. É quando se trata das festas mais tradicionais do povo baiano, onde, segundo Mariano, “o dever de obedecer aos costumes e repetir tradição, é para o baiano algo natural ritos e crenças religiosas precisam ser cultivadas para sobreviverem, é o apego com as raízes, o lugar onde nasceu”.

2.6. Prazer

A peça publicitária da Rede Bahia passa a ideia de um prazer generalizado por todos os cantos. As manifestações do “império dos sentidos”, conceituadas por Mariano (2009), são observadas através das imagens e frases, que denotam alegria constante, alimentada pelo BEM-ESTAR FÍSICO, proporcionado pelo CLIMA quente e pela NATUREZA tropical.

As cenas de cidades do interior nos remetem a QUINTAIS, com clima ameno e familiar. O ritmo peculiar de vida do povo baiano se traduz como um ensaio para o EQUILÍBRIO MENTAL.

"Mente sadia é corpo saudável, dizem os sábios. No discurso da baianidade, essa ideia também parece ser importante, pois as opções que conduzem à alegria, otimismo e ausência de tensões desfrutam de grande prestígio. Nessa direção, um dos temas mais referidos – mais até nas anedotas sobre os baianos do que nas canções, é a descrição de um ritmo de vida peculiar, que não se rende a pressa e às obrigações do mundo, moderno capitalista, onde time is money." (MARIANO, 2009, p. 180)
A impressão que se tem ao analisar o trecho “Uma festa que nunca tem fim”, é que algum desavisado acreditaria que na Bahia tudo são festas, felicidade e prazer. Mulheres desnudas e a sensualidade à flor da pele também são expressas por imagens.

O Carnaval e os festivais de música ditam o clima de PERMISSIVIDADE, do qual provocasse possíveis visitantes a estarem presentes no verão da Bahia, para desfrutar de todas essas permissões, aquecendo o mercado turístico. Em seu exagero característico, o verão soteropolitano é exaltado na propaganda, perpetuando o estereótipo do povo festeiro, ocioso e preguiçoso.
"As festas como momentos onde exageros e transgressões aparecem como componentes bem aceitos e até estimulados – são associados à baianidade de forma também exagerada.

Um exagero em que se igualam baianos e não baianos, pois, se estes últimos falam na aptidão e disposição dos baianos para a festa – seja com simpatia ou ironia – os próprios baianos também colaboram para difundir a mesma imagem [...]" (Idem, 2009, pp. 183)
3. Conclusão

Neste trabalho, com ênfase para o vídeo aqui apresentado, foi possível identificar os elementos constituintes da baianidade, todos eles explícitos, conforme a obra A invenção da baianidade, apesar de o jingle não estar citado nela.

Vemos a importância das manifestações turísticas e culturais – destacando a música abordada pelos festivais –, da culinária e do jeito baiano como uma acentuada estratégia de divulgação da Bahia nos meios de comunicação pertinentes à Rede Bahia, de propriedade da família Magalhães, que dominou por muitos anos a política no estado. O chefe político era uma espécie de grande artífice e ideólogo da identidade cultural local, fenômeno que nós chamamos de baianidade.

Assim expresso nas cenas do comercial, tendo sua trilha sonora como pano de fundo, exalta o lado bom, o belo, da Bahia, trazendo-nos estética e psicologicamente uma imagem positiva de Salvador e das principais regiões interioranas, a exemplo da Chapada Diamantina e do Extremo Sul, mais precisamente Porto Seguro, a gênese do Brasil.

Valendo-se de recursos visuais impactantes, o vídeo tem como propósito inicial, justamente, retomar a mesma imagem positiva do estado na alta estação do ano. As características que estigmatizam o dia a dia do povo baiano, como a religiosidade, a festividade, a culinária, a corporeidade, o pioneirismo, a hereditariedade e o prazer, estão entrelaçadas entre si, formando o seu complexo universo mistificador.

Rede Verão da Bahia

Composição: Alexandre Leão
Intérprete: Cláudia Leitte

O que é o verão da Bahia?
Um mergulho no Porto da Barra
Um momento em que o mundo é mais lindo
Um amor, um estado de graça

Um fim de tarde no Farol, se despedindo do Sol
Pra noite explodir em som, em cor e luz

O que é o verão da Bahia?
É fazer um pedido pra mim
Na Sereia e também no Bonfim
Uma festa que nunca tem fim

Um gosto de acarajé,
Uma levada, um axé,
E quem tem fé vai até a pé, a pé...

A Rede Verão da Bahia
É a Rede Bahia
É a Rede Bahia



Referências

GUTEMBERG. A invenção da baianidade (2). Salvador, 16 set. 2009. Disponível em: http://blogdogutemberg.blogspot.com/2009/09/invencao-da-baianidade-2.html. Acesso em: 29 nov. 2010.

MARIANO, Agnes. A invenção da baianidade. São Paulo: Annablume, 2009.

REDE Bahia - Verão 2009: jingle. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=77uY0BO3eVU&feature=related.

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