Trilhando em trilhos tímidos

Passou-se uma década para que um colossal elevado inconcluso, reduzido a irrisórios 3 quilômetros, esteja sob pendência judicial e irregularidades. Prefeitos vão, prefeitos vêm, mas o andamento no planejamento e nas obras civis permanece lento, moroso e sem previsão de andar nos trilhos. Com essa lentidão que prorrogava nas duas administrações de Antônio Imbassahy (1997-2004), e que prorroga hodiernamente na de João Henrique (desde 2005), o inacabado sistema ferroviário urbano pós-moderno daqui de Salvador não tem data prevista para entrega aos soteropolitanos. O nosso povo, incrustado na terceira maior cidade do país, está a ver navios.

Sendo um povo acostumado a locomover-se em coletivos, em grande parte obsoletos e com razoável a péssima qualidade, o soteropolitano anseia por aperfeiçoamentos na malha viária, credenciando o escoamento do extrapolante contingente populacional. É inadmissível e inaceitável uma metrópole brasileira do calibre de Salvador com um incipiente ou deficitário conjunto integrado de transporte. Quem disfarçou a inadmissibilidade alegando o repetitório de antiquadas promessas virtuais em sair das pranchetas o Metrô de Superfície da nossa urbe? Não sabemos ainda, mas suponho que foram os dois últimos benfeitores, inventando uma promessa milagrosa atrás da outra.

O nosso Metrô, ainda hoje uma simples quimera prorrogada no imaginário elitista, da classe média e plebeu provinciano há 28 anos, desde quando iniciou-se o projeto, será um dos poucos a circular no Nordeste – até agora, a única linha encontra-se no Recife. Não obstante, as linhas subjacentes do metropolitano da capital pernambucana estão muito além do esperado, assim como aqui em Salvador. Já na Pauliceia desvairada, contraditoriamente, o adiantamento nas obras de expansão fará com que os passageiros tenham à mercê o mais completo sistema de interligação por vagões leves. Homogêneo labor está se manifestando, em elevado estágio de ebulição, no Rio, em Belo Horizonte e em Brasília.

Raras – raríssimas, somente para dar o tom do argumento – são as cidades no país onde há vagões manufaturados em aço inoxidável, de espessura leve, se movendo sobre trilhos, seja subterrâneo, seja superficial – caso de Salvador, peculiar em comparação aos metrôs de outras capitais e centros urbanos ao redor do mundo. Precisamos vislumbrar a vetusta novela do "Bonde Moderno", designação oficiosa para o Transporte de Massa de Salvador (TMS), milagre anunciado em 1987 pelo então alcaide Mário Kertész. O paradoxal "Bonde Moderno" não se resumiria ao trem em evidência, e tinha como elementos extras as passarelas, os viadutos e as vias exclusivas para ônibus.

Contudo, seu carro-chefe, o metrô, não atingiu seu pleno grau de factibilidade, deixando a abandonada Estação de Transbordo do Iguatemi, erigida sobre o poluído córrego do Rio Camurugipe, como resquício de um complexo de obras superfaturadas. Inaugurada às pressas no penúltimo dia de 1988, no crepúsculo da segunda gestão de MK, hoje convertido num dos expoentes do radiofonismo da Bahia, a Estação Iguatemi foi adaptada e aproveitada por Imbassahy com o intuito de abrigar o povo, tendo a plebe encarregada do protagonismo na mobilidade urbana e coletivos para atender às suas exigências. Já que o "Bonde Moderno" estava inconcluso, a prefeitura arrumou-lhe um jeitinho brasileiro.

A má conservação do equipamento montado em aço semicircular, servido em larga escala por multidões de passageiros, é seu maior e pior atrativo. Vemos diuturnamente esse macabro dilema resultante do seu descuido. O piso da estação, além de destruído em parte, exala um cheiro horrível, seus sanitários liberam odor quase semelhante, ao ser miscelaneado com detergentes e desinfetantes, e os ônibus, ao embarcarem e desembarcarem, ficam inertes em ambos os sentidos (Lucaia e Comércio). Tão nefasto quanto prolongar a espera por um coletivo é renovar o adiamento em mais um lapso de 12 meses da conclusão do minutíssimo metrô, nosso elevado de concreto.

De Kertész para Fernando José, de Fernando José para Lídice, de Lídice para Imbassahy, de Imbassahy para João Henrique, de João Henrique para uma interrogação prometendo o rápido término do minúsculo Metrô de Superfície. Apesar da famosa "dança" das cadeiras na prefeitura, o impasse em detrimento da continuidade nos trabalhos ferroviários não foi solucionado com precisão, confiabilidade e probidade. Faltava celeridade e velocidade para que o Metrô se abdique de seu status hoje desempenhado, o de mero apêndice do superfaturamento. O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), como ele é denominado tecnicamente, será, talvez, um subterfúgio para nos esquivar dos efetivos congestionamentos.

O metrô da capital baiana, já com seus vagões recém-trazidos da Coreia do Sul por enquanto imobilizados e, portanto, acessórios adornativos de elevados de concreto armado no Acesso Norte, terá como diretriz prioritária a articulação com outros instrumentos de mobilidade preexistentes. A Copa do Mundo de 2014, disputada em solo brasileiro, servirá de encruzilhada em se tratando de perspectiva de planejamento e ordenamento do perímetro urbano de Salvador. Se adiar o prazo de entrega do curto metrô de 3 quilômetros, em concomitância com a transferência de titulares da administração municipal, nossa cidade não teria um transporte diferenciado. Conjecturas que vão determinar ou não os nossos trilhos...

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