Telegolpe

Levados ao ar diariamente, ocupando quase todas as faixas da manhã e da tarde de uma emissora de televisão, programas de perguntas e respostas são transmitidos ao vivo, prometendo ganhar prêmios superiores a R$ 2 mil. Telespectadores ambicionados na luta pelo recebimento da quantia, ao ligar para o número que aparece no vídeo, bem abaixo do rosto dos apresentadores, tentam falar diretamente com eles, mas o que se ouve são gravações ditas numa sedutora voz feminina. Assim como todos os serviços embasados nessa tipologia, há um fundo de realidade nos questionários ilusórios. Foi isso o que aconteceu comigo, conforme contarei a seguir.

Existem, nos game shows – muitos deles com denominações bem boladas, como Super game, Easy quiz e Quiz TV –, um número telefônico celular, cujo custo equivale ao de uma ligação para São José do Rio Preto, em São Paulo, convencendo o telespectador a ligar para um dia ser farto em pecúlio. Vocábulos, frequentemente fáceis de acertar, são fixados à esquerda dos apresentadores, com o objetivo da busca pelo lucro fácil. O que ocorreu comigo, de fato, foi o avesso da minha almejada fortuna em milhares de reais, uma embromação, uma enrolação total, fazendo encolher, de repente, meus até então abundantes créditos. Programas em que, a cada momento, tentativas inescrupulosas de premiação são postas no ar.

Tudo começou em julho, durante minhas férias de inverno, no horário matinal. Meu caso pioneiro de contato com as fajutas e astutas atrações visando levar vantagem em alguém teve como preâmbulo o massacre parcial de uma série diária de comerciais, no qual continuo apreciando substancialmente suas garotas-propagandas. Quando o inusitado, o insólito, surgiu, estava supostamente perplexo e obcecado e, com inspiração vacilante e posicionamento corretíssimo das letras para formar uma palavra que apareceu no vídeo, estava sonhando em ser um novo-rico, mesmo com racionalidade no manejo do dinheiro. Com crédito suficiente no meu celular, cheguei a teclar cada algarismo, obedecendo às suas combinações, para o número contemplador de fortunas individuais.

Após a ligação ser solicitada, uma gravação presumível, dita por uma mulher (não é a apresentadora de TV), entrava em cena por mediação de uma enfática mensagem de boas-vindas. Pronunciei, na sequência, meu nome completo e a cidade onde estava falando. Eu, circunspecto, prestei atenção nas coordenadas propostas pela gravação feminina, que não tem nada a ver com a transmissão ao vivo do programa. A próxima coordenada concerniu a um questionário facílimo de responder, do tipo "certo ou errado". Quando equacionei todas as perguntas, pressionando a tecla 1 para "certo" ou 2 para "errado", dependendo da sua exatidão, a operação foi bruscamente interrompida, não completando-a com êxito.

Os meus créditos, subitamente, encolheram para um valor insuficiente, na ordem de R$ 0,14, produtos de um malogrado gesto arquitetado pela televisão. Caí numa cilada inédita em virtude de ter tentado ganhar R$ 6 mil. Nunca vi crédito abundante no meu celular ser velozmente minguado a centavinhos por ação de uma mutreta ardilosa, que serve para nos enganar e nos humilhar. Essa seria minha primeira e única experiência desastrosa em matéria de telefonia móvel, um dos artefatos que revolucionaram o segmento de telecomunicações nos últimos anos. No final das contas, me decepcionei em silêncio por ter corroído meus créditos, até então em abundância. Contei a meus pais, sem receio de sigilo, como essa farsa televisiva me ameaçou.

Ontem assisti ao Quiz TV para mais uma probabilidade de eu ser contemplado com uma fecunda fortuna, garantidora de uma virtual pujança financeira. Já tinha créditos de R$ 12, recarregados com antecedência na última sexta-feira, pensando que seriam necessários para concorrer ao cobiçado prêmio de R$ 6 mil. No Quiz TV, apareceu três vocábulos com letras embaralhadas, nos quais já achei de imediato as suas ordens corretas – DETETIVE, DELEGADO e INVESTIGADOR, todas com vínculos estreitos com a polícia. Essas três palavras evidentes puseram em xeque as chances de os telespectadores do programa serem premiados, mas já sabiam o concerto vocabular por adquirir tamanhas habilidades observatórias, como a perspicácia.

Pelo acerto do preciso ordenamento das letras nas palavras, eu liguei para o mesmo número que havia ligado há três meses, seguindo as mesmas diretrizes estabelecidas pela mesma gravação feminina. Mensagem de boas-vindas, solicitação de meu nome completo e da cidade onde estou falando, e questionário. As perguntas do quiz foram as seguintes; em todas elas acertei, apertando a tecla 1 para "certo" e a tecla 2, levando em consideração que a afirmativa esteja "errada". 1) "O nome do cavalo do Zorro é Furacão?" (errado); 2) "O estado do Acre está localizado na Região Nordeste?" (errado); 3) "O estádio do Beira Rio está localizado em Curitiba?" (errado); 4) "Niterói é uma cidade localizada no estado do Rio de Janeiro?" (certo).

Um alarme disparou, avisando o término brusco e repentino do telefonema e, consequentemente, o drástico encolhimento dos meus créditos de R$ 12 para R$ 0,14. Suas condições quantitativas quase foram neutralizadas na segunda e última tentativa de competir pelo prêmio máximo. Nenhuma correspondência, portanto, foi recebida no meu celular, excluindo-me, dentre outros telespectadores, da competitividade em busca da fartura. Lamento concordar sinceramente que essa frívola ligação, sob a visão de mundo verídica, não passa de um tremendo golpe com a finalidade de iludir aqueles que almejam estar afortunados ao presenteá-los em quantias lucrativas.

Fiquei com vexame e decifrei que, nas duas chances de ganhar dinheiro em programas de TV especializados, nenhuma delas converteu-se em solidez, redenção e concretização econômico-financeira. É somente fachada imoral, coisa exterior, armadilha perigosa na qual qualquer cidadão comum poderá arriscar e ser severamente prejudicado. De onde virá o dinheiro supostamente recebido por game shows como aqueles? Não tenho e nem terei a mínima ideia da sua procedência e da sua entrega a possíveis contemplados. Da próxima vez, a despeito do acerto nas palavras que aparecem embaralhadas em atrações desse formato, honrarei a promessa de não telefonar para aquele número telefônico incômodo. Caso contrário, cairei numa desperdiçadora tentação.

Comentários

Unknown disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse…
Tche...

coincidência. Joguei no google as expressões Easy Quiz TV Urbana e encontrei teu texto. Mais surpresa ainda quando vi a data. Estou eu pela Net zapeando e caí neste canal aqui em Porto Alegre. Em casa tenho outra operadora (Sky) que não passa este canal. Na madrugada vi umas mulheres sedutoras, gatas mesmo se esfregando para o telespectador, pedindo para ligar e proporem algo, a fim de que elas fossem encontrá-los... ri muito, demais mesmo, mas não deixei de ver as "gostosas". Ninguém foi ao ar. Resolvi pôr de novo agora, início da madrugada do dia 18 e vi o tal quiz com as letras embaralhadas. Fiquei pensando de onde era isto, que TV é esta e como funciona o esquema. Não liguei, porque meu Oi é com bônus e eles não aceitaram, hehe, ainda bem que não perdi grana. De qualquer forma, parabéns pela elucidação em teu texto. Sou formado em Jornalismo e trabalho com esporte aqui no Sul. Se quiseres, adiciona no dgc1712@hotmail.com MAS QUE COINCIDÊNCIA... Abraços e sucesso!!
Hugo Gonçalves disse…
Aqui na Bahia, os programas "Super game", "Easy quiz" e "Quiz TV" são exibidos na TV Salvador, canal 28 UHF.