Em busca de identidade

A juventude brasileira atual está acostumada em admirar e assistir a atrações que colaboram para o frequente consumismo, sendo individualista e, às vezes, manipulada pela mídia. Programas de televisão, a exemplo do seriado emoteen Malhação ID, transmitido nos fins de tarde globais de segunda a sexta-feira, nos revelam um paradigma social insólito, no qual os jovens são induzidos a adaptar-se à tribo dos emos. Formada a partir de uma drástica distorção de outra abreviatura, emocore (do inglês emotional hardcore), emo é uma nova corrente, geralmente integrada por adolescentes de classe média-alta das metrópoles, com a missão de serem rebeldes.

Lançada em 9 de novembro do ano passado, a atual temporada de Malhação, denominada Malhação ID – as duas primeiras letras da palavra "identidade" – fomenta e incentiva o desenvolvimento de uma nova sociedade de consumo, influenciada sobretudo pela vasta expansão eletrônica na contemporaneidade, em especial a internet. A atração, essencialmente destinada ao público adolescente, estreou há quinze anos, sempre com o principal objetivo de explorar o seu complexo universo particular. Nos primeiros anos de existência, o seriado tratava de demonstrar um ambiente autenticamente juvenil – a academia de ginástica e musculação –, daí o nome Malhação, o mesmo do espaço.

Revelando importantes talentos como André Marques (atualmente um dos apresentadores do Vídeo Show), Bruno de Luca e Priscila Fantin, hoje adultos e artistas consagrados dentro de suas áreas profissionais, o programa contribuiu, em parte, a modificar radicalmente os padrões sociais, comportamentais, econômicos e culturais da nossa juventude. Os temas centrais de cada momento de Malhação, "ensanduichada" entre a Sessão da tarde e a novela das seis, eram a malhação propriamente dita, o mundo virtual explicitado pela internet, a relação ensino-aprendizagem ambientada no fictício colégio Múltipla Escolha e, agora, a arriscada aventura emo dos personagens.

Malhação ID é protagonizada por um adolescente de 19 anos, Filipe Galvão, estranhamente cognominado Fiuk, fruto do casamento de Fábio Jr. com a artista plástica Cristina Karthalian, com quem o galã teve outros dois filhos. Nessa temporada, Fiuk interpreta Bernardo Oliveira, um rapaz que fora criado por pais ricos. Seu par romântico na ficção é a personagem Cristiana Araújo, vivida pela atriz Cristiana Peres (O nome é o mesmo, porém só mudou o sobrenome para não confundir ficção com realidade. É a arte reproduzindo a vida...). Além de ator, ele é vocalista de uma banda emocore, batizada de Hori, que ele mesmo criou em 2003.

O tema de abertura, intitulado Quem eu sou, é interpretado pela Hori. O rock, que a Globo utilizou como fundo musical para a hipnótica vinheta concebida por Hans Donner, Alexandre Pit Ribeiro e Alexandre Romano, revela e reflete os problemas que o jovem de hoje desafia, procurando a sua identidade. "(...) / São tantos desencontros / São tantas linhas tortas / Formando a identidade que eu sempre sonhei pra mim / Sem saber o que vai ser / Se é pra tentar ser alguém bem melhor / Deixa eu tentar sem quem eu sou / Ganhar ou perder, tanto faz / Não me importa / Eu quero é mais ser quem eu sou." Com essas palavras, Fiuk pronunciou um manifesto favorável à busca da identidade adolescente contemporânea.

Som pesado e cores berrantes se combinaram para que a identidade emo se popularizasse com maior ênfase através da vinheta elaborada em animação por computação gráfica pela equipe de Hans Donner. Uma multidão sintonizada aparece dançando, quadro a quadro, na abertura, até que Fiuk e Cristiana Peres, vestidos de acordo com a nova moda, entrassem em cena, cantando o tema (com voz somente de Fiuk). Em seguida, os 34 coadjuvantes, incluindo os veteranos Vera Zimmermann, Tarcísio Filho e José de Abreu, sempre trajados a caráter, seguem o rastro dos protagonistas, curtindo a trilha, acompanhando sua letra e fazendo vários movimentos.

Desde a sua estreia, em abril de 1995, o seriado teve um recorde de dezessete temporadas, adaptando-se conforme o contexto em que elas foram ambientadas. A penetração de elementos característicos do emo em Malhação foi espontaneamente introduzida na décima quinta temporada (2007/2008), protagonizada pelo ator Rafael Almeida, que havia atuado na novela das oito Páginas da vida, em 2006. Outro talento que integra o elenco de Malhação ID, Caio Castro, estreou na mesma fase. Sua vinheta de abertura, completamente psicodélica e que demonstra objetivamente os costumes adolescentes de acordo com a tribo, tem como tema Paraíso proibido, de uma outra banda emocore, denominada Strike.

Identidade original de Malhação, a efêmera e meteórica febre das academias que conquistou os jovens urbanos definhou ao longo de muitas temporadas. O seriado vespertino perdeu gradativamente sua identidade, seu contexto, sua concepção e seu sentido primitivos, preservando, com êxito, seu nome, mesmo com a súbita ascensão dos emos verificada recentemente. Restou, apenas, a marca Malhação, responsável pela sedução da juventude há quinze anos, sendo responsável por induzi-la a hábitos psicossociais extravagantes nas grandes cidades, levando-a a um processo de individualismo, de rebeldia e de "revolução" particular. Quanto ao enredo, a atração desconfigurou-se por completo.

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