Arraes tentou se reeleger, mas não conseguiu

O vídeo abaixo refere-se a um jingle da campanha à reeleição do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes (PSB), em 1998, criado pelo publicitário Duda Mendonça, um dos mais renomados marqueteiros políticos. Naquele pleito, um dos maiores líderes da nossa esquerda, que estava em seu terceiro mandato, foi derrotado logo no primeiro turno para o hoje senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), seu ex-aliado. Jarbas era o candidato apoiado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que foi reeleito, cujo vice, Marco Maciel (PFL, hoje Democratas), é pernambucano.

Vale relembrar um pouco da trajetória de Arraes, pois ela foi fundamental para o desenvolvimento das lutas populares no Brasil, principalmente na região Nordeste. Miguel Arraes de Alencar nasceu em Araripe, no Ceará, em 15 de dezembro de 1916. Formado em Direito, foi aprovado em concurso para o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), órgão através do qual fez amizade com seu presidente, o grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), também ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). No IAA, Arraes exerceu a função de delegado, entre 1943 e 1947, tornando-se um defensor dos trabalhadores da "palha de cana" em Pernambuco.

Com Barbosa Lima Sobrinho no governo do estado, exerceu a Secretaria da Fazenda. A estreia de Arraes como político ocorreu em 1954, quando foi eleito deputado estadual pelo pequeno Partido Social Trabalhista (PST). Na Assembleia Legislativa, ele integrou a bancada de oposição ao então governador de Pernambuco, o general Cordeiro de Farias. Quatro anos depois, apoiou a candidatura a governador do usineiro Cid Sampaio (UDN), que, embora conservador, foi eleito com o apoio de partidos de esquerda através da Frente Popular. Arraes, mais uma vez, foi secretário da Fazenda neste mandato.

Ainda em 1959, Arraes foi eleito prefeito do Recife, cujo eleitorado possui uma forte tradição progressista. Isso abriu caminho para que ele disputasse pela primeira vez o governo de Pernambuco em 1962, pelo PST, com o apoio do Partido Socialista Brasileiro (PSB), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), além dos comunistas, que encontravam-se na clandestinidade. Seu vice era o conservador Paulo Guerra, do Partido Social Democrático (PSD), um fazendeiro e pecuarista. Liderando um grupo de tradicionais coronéis pernambucanos pró-Arraes, Guerra era um dos artífices da espetacular vitória do ex-prefeito da capital ao Palácio do Campo das Princesas.

Empossado em 1963, Miguel Arraes tinha como meta prioritária em sua gestão o desenvolvimento social. Uma de suas marcas inovadoras foi a implantação, pelo brilhante educador Paulo Freire (1921-1997), de um ambicioso programa de incentivo à educação popular, visando à plena alfabetização e à progressiva ampliação cognitiva. Além disso, firmou um acordo, também inédito, com proprietários de usinas de açúcar e álcool, objetivando a permissão de benefícios aos trabalhadores do setor.

O golpe militar de 31 de março de 1964 que derrubou o então presidente João Goulart devido à proposta das reformas de base que ele anunciou havia poucos dias impediu que políticos de esquerda continuassem no poder em alguns estados, como Pernambuco. Por isso, o vitorioso movimento, conhecido pelos militares como Revolução, obrigou Arraes a abandonar o mandato de governador. Acabou sendo preso no Recife, em Fernando de Noronha e em Niterói (RJ). Em junho de 1965, exilou-se na Argélia, para não ser preso mais uma vez em território brasileiro.

Arraes regressou ao Brasil em 15 de setembro de 1979 graças à lei da anistia decretada pelo então presidente João Figueiredo, que deu continuidade ao projeto de abertura política. Filiou-se ao MDB, que poucos meses depois, com a nova Lei Orgânica dos Partidos que restabeleceu o pluripartidarismo, transformou-se no PMDB, do qual Arraes era um dos fundadores. Pela nova legenda, elegeu-se deputado federal em 1982. Teve como candidato a governador, naquele ano, o então senador Marcos Freire, que acabou sendo derrotado por Roberto Magalhães (PDS), apoiado pelo ex-governador Marco Maciel, eleito senador.

Um dos articuladores da campanha Diretas Já, votou, em 1984, a favor da Emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente. Entretanto, a emenda foi derrotada no plenário da Câmara dos Deputados. Ainda em 1984, apoiou a candidatura de Tancredo Neves (PMDB) à presidência no Colégio Eleitoral.

Em 1986, foi eleito governador de Pernambuco pela segunda vez, pelo PMDB, vencendo o governista José Múcio Monteiro (PFL). Caracterizada pela aproximação com as camadas mais populares da sociedade pernambucana, essa gestão foi marcada pela implantação de importantes programas sociais. Arraes deixou o governo no início de 1990 para se candidatar a deputado federal por seu novo partido, o PSB, sendo eleito em outubro do mesmo ano. Na Câmara, foi um dos bravos adversários do governo do então presidente Fernando Collor de Mello, tendo votado a favor do seu impeachment.

Miguel Arraes foi reconduzido ao governo do estado nas eleições de 1994 por uma ampla aliança de esquerda, liderada pelo PSB e pelo PT, cujo candidato a presidente, Luís Inácio Lula da Silva, perdeu para FHC. Tentou a reeleição em 1998, mas o vencedor era o ex-deputado federal e ex-prefeito do Recife por duas vezes Jarbas Vasconcelos (PMDB), que rompera com Arraes, tornando-se conservador graças ao apoio de partidos como o PSDB e o PFL. Sua campanha, naquele ano, foi elaborada por Duda Mendonça, publicitário baiano reconhecido nacionalmente por idealizar e desenvolver várias campanhas de impacto.

Voltou à Câmara dos Deputados em 2002, e no segundo turno das eleições presidenciais do mesmo ano apoiou Lula, eleito pela primeira vez após três tentativas frustradas. Internado durante 58 dias no Hospital Esperança, um hospital particular do Recife, Arraes faleceu em 13 de agosto de 2005, vítima de infecção generalizada, aos 88 anos. Na ocasião, exercia o terceiro mandato de deputado federal e a presidência nacional do PSB, cargo ocupado por seu neto Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco.

Entre vitórias obtidas e derrotas sofridas, como a de 1998, um dos maiores líderes progressistas do Brasil e do Nordeste também foi um dos símbolos na luta pela nossa redemocratização. Sua herança continua viva na memória dos pernambucanos, dos nordestinos e de todos os cidadãos brasileiros que enfrentam, com muita coragem, perseverança e sucessivas participações populares, a miséria e a opressão. Miguel Arraes de Alencar foi, sobretudo, um dos heróis da liberdade do nosso povo.

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